4 - Uma irmã quase normal

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Existem casas, e existem as mansões do Condomínio Sinos Dourados. Se puder, seja adotado por uma família que mora no Sinos Dourados.

O quê? Ah, tá. Acho que pulei uma parte da história. Mals aí.

Resumindo um pouco, porque ninguém merece o relato completo da bronca que a Pereira me deu, os Sgarbi ligaram assim que a Pereira colocou o pé na Casa Transitória. Pediram para falar comigo outra vez. Se foi ou não o chamado que fiz para o cartão de visitas, não me importo. Não iria ficar nem mais um segundo sozinha naquele lugar.

Pereira me deu um sermão ali no quarto mesmo. Nem me levou para a diretoria. Ficou dizendo o quanto os Sgarbis eram boas pessoas, que eu tinha feito desfeita. Disse que não era essa a educação que ela me dava, embora ela só falasse comigo para brigar, castigar ou apresentar famílias interessadas em me adotar.

Tive que falar umas cinco vezes que eu iria com os Sgarbis para ela entender. Foram trinta minutos de bronca à toa. Quando ela se tocou de que eu os aceitaria, mudou o comportamento. Felicidade era pouco. Até me abraçou. Então eu lembrei do sonho e sai do abraço o mais rápido que pude.

Saiu do quarto feliz da vida, assobiando. Os outros meninos me olharam. Dei de ombros. Já tinha esquisitice demais acontecendo para eu me importar com eles.

Os Sgarbis chegaram e me levaram. Não assinaram documentos, nem nada. Pereira parecia mais do que feliz em me despachar. O sentimento era recíproco.

Pelo jeito deles, imaginei que eram ricos. Só não esperava que fossem tão ricos.

Só para você começar a entender, quando fomos para o estacionamento, meu queixo caiu. O carro do Sr. Sgarbi era o meu carro. Quero dizer, o carro dos meus sonhos, até onde eu conhecia de carros. Um maserati. Se você não sabe o que é um, é um esportivo de luxo. Ele riu quando viu minha boca aberta. E, para os que, como eu, não sabem as especificações técnicas, o Sr. Sgarbi fez questão de mostrar seu conhecimento:

- Gostou do meu brinquedo? Esse é um Maserati GranTurismo - 186 MPH. O motor é um V8 de 4,7 L produzindo 454 cv sob seu capô, o que o permite rodar a 60 mph em 4,7 a 4,9 segundos.

Eu não entendi nada do que ele disse. Só sabia que era um carro muito louco, e que devia ser muito caro. E que eu queria um para mim.

Olhei para cima e vi a turma do Tonhão olhando das janelas da enfermaria. O Adriano não estava em nenhum lugar, mas o Tonhão e os outros caras não sabiam se ficavam de boca aberta ou me olhavam feio. O Mateus acenou para mim, o que confirmou o que eu achava: o irmão dele e os amigos só se aproveitaram da situação para porque deviam estar entediados. Ou porque não iam mesmo com a minha cara.

Acenei para o Mateus e ignorei os outros. Eu podia acabar ali outra vez. Quero dizer, logo eu teria que fugir da casa dos Sgarbis. E não ia voltar para a Casa Transitória. Nem pagando queria ter outro pesadelo daquele com a Pereira. Porém, a cidade era pequena. Se a polícia me pegasse, era para lá que eu voltaria. Então, melhor não esfregar na cara dos valentões a minha sorte temporária.

Abri a porta de trás do carro e não resisti. Olhei para eles e pisquei, dando um sorriso torto. Adriano sorriu de volta. Já o Tonhão e os outros... bem, digamos que era melhor torcer para dar certo dessa vez.

Ah, qualé! Sem julgamentos. Eu tinha treze anos e estava entrando em um maserati. Achou mesmo que eu não ia tirar uma com os manés? Tinha que aproveitar aquele cheiro de carro novo e ar condicionado enquanto podia.

Você leu certo. O carro tinha ar condicionado. Nem na sala da Pereira tinha isso.

Conforme rodávamos pela cidade, percebi que íamos para uma parte onde eu nunca sequer pensei em visitar: o lado rico de Santa Branquíssima. Conforme subimos o Morro do Ouro Branco, os comércios, condomínios habitacionais e casas davam lugar a condomínios luxuosos. Não achei que, com um carro daqueles, estivéssemos no lugar errado. Mas era muita coisa para assimilar.

Miguel Oliveira e a Árvore de EldoradoWhere stories live. Discover now