21 - Eu quase sai vivo, não fosse minha burrice

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Descobri em dois minutos que eu era o pior semideus de todos os tempos. Além de não ter nenhuma arma, não saber lutar, e, menos ainda, usar magia, eu nunca tinha estado em uma batalha.

Tá certo, já tinha enfrentado folclóricos antes. Mas aquilo foi meio que… uma fuga desesperada. E, não me envergonho de falar, não tive nenhuma participação em nossa sobrevivência. A não ser o grito estérico que dei, nome criado por Sofia. Sim, nenhuma surpresa. Ela me amava.

E ainda não contei o pior, me perdi das meninas.

Já tinha me perdido de Thainara. Eram muitos guerreiros, correndo em todas as direções. Eles passavam por mim, praticamente me atropelando. Uma garota com cabelos em chamas (existiam mulheres curupiras?) Me deu um encontrão. Nós dois fomos ao chão. Ela mostrou as presas e me assustei. Me arrastei uns metros enquanto ela se levantava.

— Não fique no meio do caminho, novato.

Tudo que saiu da minha boca foi:

— Você é uma curupira ou uma caipora?

Ela rosnou. Rosnou para mim. Engoli em seco. Talvez o assunto fosse mais delicado do que imaginei.

— Tem sorte que estamos sob ataque, seu tropo. Senão eu arrancaria essa língua insolente.

Pisquei, e ela se foi, correndo para a luta.

Me levantei e me deu conta de que estava sozinho. Até que ouvi um rosnado grave nas minhas costas. Me virei devagar, um arrepio percorrendo o corpo. Há uns vinte metros, estava uma fera monstruosa. Tinha uns dois metros de altura. Garras longas e negras. Corpo humanoide, coberto por pelos. Rosto quase lupino. Eu podia jurar que parecia mais um lobo guará. Mas era algo que eu não esperava ver em uma colônia de férias de semideuses. Um lobisomem. Uma lobisomem, na verdade. Era uma fêmea.

— Semideus — ela falou, com a voz grave e suave. — Ou é muito corajoso para caçar sozinho, ou muito tolo.

— Muito tolo — resmunguei dando um passo para trás, depois outro. — Muito, muito tolo. Agora, que tal você procurar um semideus corajoso. Eles foram por ali — apontei para um lado para o qual ninguém tinha ido.

Ela sorriu, o que foi muito estranho de ver. Ao lado dela, o ar tremulou. Para meu desespero, surgiram mais três guerreiras. As três garotas, negras, eram lindas. E aterrorizantes. Uma tinha uma pele pálida, como se não saísse no sol. Suas unhas eram compridas e se curvavam, como garras. Presas afiadas saiam de sua boca, mas não era uma caipora. A energia dela era diferente. A outra usava dois afropumps nos cabelos, usava óculos e tinha uma espada na mão. E a quarta, tinha cabelos lisos em um rabo de cavalo e segurava uma vara de guerra encostada nos ombros.

As recém chegados pararam ao lado da menina lobisomem, como se não estivessem ao lado da morte. Porém, bastou eu dar uma olhada nelas, e percebi que, talvez, elas fossem mais perigosas que o monstro de dois metros.

— Esse aí é nossa presa, Cléo? — perguntou a garota de óculos. Os raios do sol faziam seus olhos azuis se destacarem.

— Não — gritei. Não queria ser presa de ninguém.

A lobisomem magrela deu de ombros.

— Pode ser, Kal. Se achar que ele é digno…

A garota de cabelos lisos girou a vara acima da cabeça e ficou em posição de luta.

— Vamos honrar nossas ancestrais.

— Sério, Maju? — falou a garota pálida, de tranças coloridas nos cabelos, rolando os olhos. — Esse negócio de Ahosi subiu mesmo na sua cabeça.

— Deixa ela, Laila -— falou a de afropumps., erguendo a espada. — Vamos provar o valor desse semideus.

Sem aviso, elas correram em minha direção. Como semideus, possivelmente bruxo, e homem, eu tinha algo a zelar. Meu coro. Por isso, sai correndo delas com toda falta de coragem que tive sendo forçada para as pernas.

Infelizmente, o destino não ia mesmo com a minha cara. Ele me surpreendeu de duas maneiras.

Vou contar a parte boa. Sofia e Luiza acharam Thainara. A má notícia era que elas vieram na minha direção com armas em punho. Prontas para me defender.

Tive que fazer minha parte. Gritei, acenando com os braços.

— Voltem! Voltem!

Elas não voltaram. Passaram por mim e se atracaram com as meninas que me perseguiam.

Luiza vinha em Vassorito. A garota pálida, de tranças e unhas compridas, Laia, se não me engano, saltou sobre ela. Luiza soltou um raio com sua varinha que derrubou a garota.

Thainara e a menina de afropumps, Kal, se enfrentaram, espada contra lança. A outra menina, Maju, usou sua lança contra as costas de Thainara, mas Sofia jogou uma bolinha metálica nela, que se expandiu em dezenas de cabos de aço, que prenderam Maju antes que ela acertasse a caipora.

A lobisomem aproveitou que Sofia estava ocupada e saltou sobre ela. Luiza se virou para ajudá-la, mas não viu a garota pálida se ergueu e mostrar as presas para ela, a atacando pelas costas.

Eu vi o que ia acontecer. Sofia e Luiza seriam derrubadas. Possivelmente mortas. Então as quatro se voltariam contra Thainara, e ela seria derrotada.

Tive a nítida certeza de que aquilo não iria acontecer. Não se eu pudesse evitar.

"Você pode", falou uma voz em minha mente. A voz que saia de dentro daquele poço de escuridão na árvore dos meus sonhos. "Você pode repetir o que fez antes."

E eu fiz.

Dessa vez foi consciente. Eu sabia, agora, que não tinha sido sorte. Ou mero acaso do destino. Não. O destino me odiava. Ou amava zoar com minha cara. Então, eu o ignorei.

Reuni minha energia. Inspirei, e gritei.

— Parem! Agora!

Minha magia, ou, como minha mãe gostava de chamar, minha aura, foi canalizada na minha voz. Senti ela se espalhando. Tocando Thainara. A lobisomem. A garota pálida, que, ao ser tocada pela minha magia, pude descobrir que era uma vampira.

Elas pararam de se mexer. Sofia e Luiza olharam para mim. As duas garotas que não tinham sangue mitológico, Kal e Maju, também me encararam.

— Certo — falou Maju. — Essa é nova.

— Sim — disse Kal, inclinando a cabeça. — Mas parece que não funciona em nós duas.

Elas ergueram as armas. Eu fiquei muito perto de chorar. Tudo que tinha feito, tudo que conseguia fazer,não foi o suficiente. Foi quando senti. Uma perturbação. Só consigo descrever assim. Uma perturbação na ordem natural das coisas. Algo errado.

As garotas também sentiram. Todas elas. Como se fosse um ímã nos atraindo, todos, inimigos e aliados, olhamos para Sofia. Uma energia vermelha emanava dela. Algo que eu não compreendia.

Kal, a garota dos afropumps, ergueu a espada.

— Não sei o que Zequinha tinha na cabeça, mas essa daí não pode sobreviver.

Maju confirmou com a cabeça, e antes que eu pensasse no que estava fazendo, corri. Corri e me joguei. Me joguei na frente de Sofia bem na hora que Maju jogou a lança na minha irmã.

Senti um baque, algo acertando meu peito. Ouvi gritos ao meu redor. Ao longe, a corneta foi tocada. Um, duas, três vezes. E podia ser delírio meu, já que tinha uma lança no peito, mas, enquanto a escuridão me envolvia, podia jurar que ouvi a corneta tocar uma quarta vez.

***

E aí galera, tudo certo?

O que acharam das personagens novas? Gravem bem essas garotas: Kal, Laila, Cleo e Maju. Elas logo irão aparecer em um novo livro... E talvez dêem as caras por aqui..



Miguel Oliveira e a Árvore de EldoradoWhere stories live. Discover now