9 - Um passeio na floresta quase agradável

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Toda aquela história de semideuses e bruxos estava estragando uma das coisas que eu mais gostava: meus sonhos. Não que eu não gostasse quando Thainara aparecia. Mas nesse sonho, talvez por ela estar pessoalmente perto de mim, fui direto para a parte ruim.

O buraco de escuridão na árvore dourada borbulhava com violência. Não tinha crescido desde a última vez. Porém, a árvore chacoalhava conforme aquela coisa se mexia.

Para variar, não conseguia me ver outra vez. Também não dava para me afastar. Estava paralisado, como nas outras vezes.

- E o grande herói retorna - disse a voz gélida de dentro do buraco.

Engoli em seco. Um arrepio percorreu minha coluna. A coisa dentro do buraco gargalhou.

- Veio mais cedo do que imaginei - a coisa falou. - Pena que veio sozinho. E ainda não concluiu o Despertar. Serei paciente, garoto. Depois de uns séculos acabei dominando a arte da paciência. Mas, quem sabe não nos divertimos enquanto sugo um pouco da sua energia vital, hein?

Senti com se um trator me agarrasse e me usasse como âncora. Queria gritar de dor, mas minha voz não saia. A voz gargalhou.

- Miguel!

Essa era uma voz diferente. Era... Thainara.

- Miguel - ela chamou outra vez.

- Miguel!

- Acorda Miguel.

Sofia e Luiza. Eu tinha que acordar. Precisava sair dali. Eu...

- Tenho que acordar - gritei, me sentando.

- Dizer que tem que acordar, quando já acordou, é um desperdício de palavras - falou Sofia, sentada ao meu lado. Ela ajeitou os óculos. - De todo jeito, acordou em boa hora. Thainara e Luiza estão quase se matando.

Franzi as sobrancelhas, ainda com dificuldade para pensar. Vi algo pelo canto do olho e virei para a direita.

- Meu Senhor do Bonfim - sussurrei.

Luiza tinha uma varinha estalando eletricidade na mão direita. Na altura de sua cabeça, do lado esquerdo, flutuava um pergaminho com letras douradas que piscavam. A uns dez metros dela, Thainara rodopiava o bastão de todos os jeitos possíveis e, se fosse eu no lugar dela, impossíveis. Chamas saíam da ponta do bastão, o que dava a impressão de que ela criava um círculo de fogo.

Agora, eu não era perito em questões de segurança contra incêndio. Mas tinha certeza de que a combinação de fogo e eletricidade não faria muito bem para a floresta.

Me levantei e me aproximei devagar, enquanto Luiza gritava.

- ... e não quero saber. Semideuses são mitos.

As íris dos olhos de Thainara pegaram fogo. Isso nunca era bom sinal em animes.

- Eu não sou um mito, assassina.

- Epa, epa - falei, ficando entre as duas. - Vamos parar com as acusações de mitos e assassinatos. Somos todos amigos, lembram? Nós contra os folclóricos cruéis, lembram?

As duas voltaram os olhos para mim. Sofia ergueu uma sobrancelha, ao meu lado.

- Essa foi uma das coisas menos inteligentes que você disse desde que te conheci. E olha que você não tem o dom da oratória. Agora elas vão matar você, em vez de se matar.

Ignorei que minha irmã adotiva me chamou de idiota estilo gourmet. Mas tive a impressão de que ela estava certa. Principalmente quando Thainara estreitou os olhos.

- Os folclóricos não são todos cruéis, Miguel. Os que os atacaram estavam presos em um encantamento de controle da vontade.

Luiza apontou para Thainara.

Miguel Oliveira e a Árvore de EldoradoOnde histórias criam vida. Descubra agora