19 - Eu quase me deserdei quando descubro quem é meu pai

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Talvez devêssemos ter dado ouvidos ao aviso de Augusto. E não tocar o raio do totem os três ao mesmo tempo.

Eu não sei se foi por isso, que vi dobrado. Uma luz negra brilhou em meus olhos. Eu só via escuridão. Mas sentia Sofia e Luiza ao meu lado. Sentia as mãos delas. E eu tinha certeza de que nossas mãos estavam no totem, não umas apertadas nas outras.

Um choque percorreu meu corpo. Uma luz verde começou a brilhar. O símbolo de um veado na cor verde fluorescente. Atrás dele... um trono de ossos, transparente. E por trás disso, algo errado. Eu não conseguia entender o que era. A princípio era um ponto vermelho que se expandiu e consumiu tudo. Tinha certeza de que aquilo me destruiria.

Cai para trás. Graças a Deus não deu com o traseiro no chão. Pajé Luane estava me segurando. Ela me colocou de pé. Olhei e vi Carlinhos, que eu não conseguia entender que era um pajé, ajudando Sofia. Luiza era ajudada por Pajé Maya. E não é que a velhinha era forte?

O centro brilhou e sumiu com um pop. Fiquei preocupado.

- Passamos no teste? - perguntou Luiza.

Olhei para as expressões deles. Não diziam nada. Depois de um silêncio incômodo, no qual eu quis dar um tapas na nuca de alguém, para que falassem (algo que ficou só na minha imaginação, porque não era louco), Carlinhos coçou o queixo.

- Luiza e Sofia foram avaliadas como inconclusivas.

Sofia ajeitou os óculos.

- O que isso quer dizer?

- Quer dizer - disse Pajé Luany -, que vocês foram aprovadas como semideusas, mas não nos foi revelado quem são seus pais divinos.

Olhei para Luiza. Ela está transtornada. Eu podia entender. Todo esse tempo crescendo como bruxa, e, do nada, é declarada como semideusa. Já Sofia... eu não sabia o que pensar. Ela franziu as sobrancelhas e acenou para si mesma.

- Legal - ela disse.

O que, para Sofia, equivalia a dar pulinhos de alegria enquanto gritava.

Demorou um tempo para que eu percebesse.

- E quanto a mim? - perguntei - O que significa o veado brilhante e o trono de ossos transparente?

Percebi na hora que não devia ter falado aquilo. Todos os pajés se afastaram um passo de mim. Todos, menos Carlinhos.

Ele se aproximou de mim. Havia cautela e preocupação em seus olhos.

- Olha cara, você também foi aprovado como semideus.

Engoli em seco pelo tom sussurrado dele.

- E porque isso não parece uma boa notícia?

- Porque não é uma boa notícia - ralhou Pajé Augusto.

Pajé Maya voltou um olhar duro para ele.

- Não ouse comunicar algo do qual não sabe, Augusto.

Energia azul emanou do diretor. As narinas do cara se abriram. Sei que já disse antes, mas... eca. Ele podia pelo menos aparar os pêlos do nariz.

- Não sei? Não sei? Eu sou...

- Um mala - cortou Pajé Luany, estalando os dedos das mãos. - E um mala que vai ficar calado e deixar Pajé Carlinhos prosseguir com a orientação.

Um pulso de energia azul se transformou em vermelha, e Augusto desapareceu.

Carlinhos suspirou.

- Não ligue para Augusto. Ele tem seus problemas.

O silêncio caiu no lugar. Sofia quebrou o silêncio, falando o que eu tinha acabado de pensar.

- Os símbolos que Miguel viu são os símbolos do pai dele.

Engoli em seco. Eu sabia quem era o deus que era representado por aqueles símbolos. Pelo jeito, todos ali também sabiam.

Ousei encarar Carlinhos. Os olhos escuros dele encontraram os meus. Cheios de tristeza.

- O símbolo do veado brilhante pertence ao senhor e protetor dos animais selvagens. O trono de ossos pertence ao senhor do submundo.

- O mesmo deus - eu disse, sentido todo calor do meu corpo sumindo.

Sofia me encarava, com os olhos indecifráveis. Luiza tinha os olhos arregalados, a mão sobre a boca.

- O mesmo deus - falou Carlinhos. - um dos pajés de Eldorado, a cidade dourada. Que se revoltou contra o Grande Cacique Tupã, e, após ser derrotado, foi exilado no submundo. Se tornando o senhor do mundo inferior.

Ele colocou a mão no meu ombro. Luiza soltou um soluço. Meu coração afundando cada vez mais.

- Seu pai, Miguel, é Anhangá. O segundo deus mais poderoso de Eldorado, a cidade dos deuses.

Ninguém falava. Parecia que até os insetos decidiram se calar. O vento cessou. Só o soluço de Luiza, sofrendo por mim.

- O que, na verdade, é estranho - prosseguiu Carlinhos, -, porque, como Anhangá está exilado no submundo, você, não deveria existir.

Senti o peso do olhar dos pajés sobre mim. Olhei para Sofia, e depois para Luiza. Porque eu não podia ser inconclusivo como elas?

Carlinhos me deu uns tapinhas nas costas.

- Não esquenta, vamos... vamos resolver isso. O que importa, é que agora você pode entrar na nossa Colônia de Férias.

Ele inclinou a cabeça para trás de mim. Antes que eu virasse, ouvi Luiza arquejar. Sofia tirou os óculos, limpou e os colocou outra vez.

Me virei. Se a cidade tinha me deixado de queixo caído, eu não tinha palavras para a Colônia de Férias Mbaracá.

Ele ficava em um vale. No centro dele havia uma grande oca. Quatro caminhos levam a ela, vindos de outras quatro ocas quase tão grandes quanto aquela no centro. Tecnologia e magia. Estava por todo lado. Desde as armaduras tecnológicas dos semideuses, até os seres folclóricos que estavam andavam, trotavam e voavam por todo lado.

- Que tal um tour pela colônia? - perguntou Carlinhos.

Sofia inclinou a cabeça.

- Como pajé, você não tem nada mais para fazer?

O sorriso torto de Carlinhos surgiu no mesmo instante em que senti a presença dela. Talvez fosse porque tinha decorado como era seu poder. Ou porque ela aparecia nos meus sonhos. Virei para trás e vi Thainara. Ela desviou os olhos quando a encarei. O que me levou a desviar o olhar também.

- Vou deixar vocês nas mãos da melhor guia de Mbaracá. Depois, me encontrem na Oca da Selva.

Thainara colocou os cabelos atrás da orelha. Ela me encarou e pareceu que eletricidade passou pelo meu corpo. Diferente de quando toquei o totem.

- Espero que goste do meu lar, Miguel. Vamos?

Eu a segui, e foi difícil tirar os olhos dela para apreciar o lugar.

- Tenho certeza de que vou gostar.

Ignorei Sofia suspirando e Luiza fingindo que ia vomitar. Principalmente quando vi o indício de um sorriso nos lábios de Thainara.

Miguel Oliveira e a Árvore de EldoradoWhere stories live. Discover now