5 - Amigos quase normais

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Se você for adotado por uma família, com uma filha que, só de te olhar, te dá vontade de sair correndo, e ela quiser fazer um quiz folclórico com você, faça o bendito quiz de folclore.

Caí na besteira de dizer para Sofia para fazermos o quiz depois que eu me ajeitasse. Queria tirar os tênis e colocar um chinelo. Trocar de roupa. E conhecer aquela casa. Sem brincadeira, aquela mansão era do maior que toda Casa Transitória. E estou falando só da mansão, não do terreno.

Como resposta, o olhar vou comer você no almoço da Sofia voltou. Por isso eu voltei atrás, pela segunda vez no mesmo dia. E fiz o raio do quiz.

Minha sorte foi que eu achava que entendia de folclore. Disse achava, porque ela era uma expert. Sofia não conhecia apenas as lendas, mas cada uma de suas variações. Ela desenterrava criaturas folclóricas de lendas que só existiam no Nordeste, ou no Norte. Sabia comparar os folclóricos do Brasil com seres de mitologias de outros países. E tudo de cor. Enquanto eu, bem, sabia o que a Wikipédia e os livros das bibliotecas da Casa Transitória e da escola ensinavam. A parte boa foi que ela considerou minhas respostas como satisfatórias.

Para falar a verdade, ela não era muito ameaçadora quando não te encarava com o olhar do mal, nível 999. Era até legal aprender sobre folclore com ela. Eu amava folclore e mitologia, então, a enchi de perguntas que ela parecia mais do que disposta a responder.

Mas ela tinha obsessão pelo tema. Falava de deuses, heróis, criaturas místicas e monstros sem ao menos respirar. Mesmo durante o café da tarde, era seu assunto preferido. Como os Sgarbi ficavam mexendo nos celulares enquanto comiam, fui o alvo do monólogo dela. Comecei a imaginar se não fui adotado só para meus pais adotivos não precisarem lidar com Sofia e seu amor por lendas mitológicas.

Por mim, estava tudo bem. Quer dizer, estaria, se não tivesse rolado aquela sensação estranha quando a conheci. Eu tinha certeza de que ela queria me atacar, sei lá. Pode ser bobeira, mas foi o que o olhar dela me transmitiu.

Então, quando ela me deu um livro sobre lendas folclóricas brasileiras, e disse que eu tinha que estudar, não me fiz de besta. Fui para a rua estudar. Tinha a desculpa perfeita para me afastar deles. E respirar ar puro. Quão puro quanto se é possível na cidade. Claro, tinha o bosque e muitas árvores. Mas não era o mesmo que a natureza.

Isso era uma coisa minha. Acho melhor contar logo, porque vai fazer sentido levando em conta os eventos que virão.

Eu amava a natureza. Não era desses defensores do Green Peace, ou ativistas. Eu só curtia estar em contato com rios, lagos, mares, montanhas, campos, animais... tudo relacionado a mãe natureza. Me sentia mais completo quando estava nela. Na maioria das vezes, achava que algo estava faltando em mim. E só quando estava na natureza essa sensação sumia.

Esse era o motivo de eu estar encostado no grande carvalho que ficava na frente da mansão. Isso, o fato de querer ficar longe da Sofia, e de assimilar aquela casa.

Se eu pudesse resumir a mansão dos Sgarbis em uma frase, seria combinação incomparável de luxo, privacidade e comodidades que atendem aos mais altos padrões de vida. De onde tirei isso? Foi o que o Sr. Sgarbi me disse assim que entrei atrás deles pelas portas da mansão.

- Garoto, seja bem-vindo. Não quero me gabar, mas nossa casa é uma combinação incomparável de luxo, privacidade e comodidades que atendem aos mais altos padrões de vida.

Isso porque ele não queria se gabar.

Ao entrar na mansão, você era recebido por um hall de entrada majestoso, com pé-direito duplo e uma deslumbrante escadaria em mármore que se estende elegantemente até o segundo andar. Vasos com flores roxas sob mesas de madeira polida decoravam o ambiente. Dos lados direito e esquerdo do hall subiam duas escadas para o espaço superior.

Miguel Oliveira e a Árvore de EldoradoOnde histórias criam vida. Descubra agora