EPÍLOGO: A QUEDA DO ÉDEN

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A linha mais tênue e paradoxal existente é, com certeza, aquela que separa o bem e o mal.

Durante toda a vida, e desde que o ser humano é cuspido neste mundo e forçado a viver uma vida pela qual nunca implorou receber o pesado fardo de carregar sem direito ao descanso do seu espírito ao que se cansa, cada indivíduo é doutrinado para que siga o bem, mesmo sem certeza alguma a respeito do que ele é e do que faz com que ele seja, de fato, este bem.

A ele é ensinado quais padrões se deve seguir, as atitudes que deve ter e quais palavras deve falar. Semeia-se na sua cabeça uma crença, ou a ausência de uma, que nunca escolheu e decidiu, por si e pelas próprias concepções e razões, seguir; sua existência se torna um espetáculo que todos à sua volta assistem e criticam duramente e a ele cabe apenas ouvir e aceitar; seu caminho é uma estrada linear, sem curvas ou vielas, para que não se desvie do que lhe foi imposto e não seja mau.

Seguir aquela tênue e desgastante estrada costumava ser difícil e doloroso, principalmente para aqueles que esquecem que, não importa quais sejam as suas atitudes ou os caminhos estreitos pelos quais trilhem, não se escapa de algo que nasce consigo e espreita, a todo momento, de apenas uma chance de vir à tona.

E ele sempre há de vencer, mais cedo ou mais tarde, porque nada é tão fácil quanto deixar-se envenenar pela tentação de alimentá-lo da forma que ele mais gosta.

A chuva caía sobre Roma, torrencial e inescrupulosa, arrastando montantes de feno, carroças e animais com a sua força, ao passo que a intensa ventania maltratava as copas das árvores e os rugidos dos trovões e a luz dos relâmpagos faziam com que a noite pudesse ser facilmente confundida com o dia.

O sopro do pranto daquele destruído pelo penar do luto era carregado nas asas do vento frio, depositando-se como um entalhe aos ouvidos daquele que caminhava, sem pressa alguma, pelas ruas sujas e barrentas, aproveitando-se da visão daquela cidadezinha que, em tão pouco tempo, já não era capaz de conter os seus anelos mais profundos.

Os romanos se contorciam pelas ruas, espalhados como cães no cio, desesperados nas suas buscas pelo que faria os desejos que enlouqueciam as suas mentes serem saciados e silenciados, não importava o que fosse.

Era possível ouvir os gritos de fúria, de horror, de dor e de prazer se espalhando aos quatro ventos e tomando conta de onde quer que ele passasse conforme desciam pela sua garganta como um ambrosial aperitivo daquilo que ainda estava por vir, deixando um rastro que não poderia ser destruído ou encoberto por nenhum homem.

Haviam aqueles que se satisfaziam com animais, dando ouvidos à sua mais nojenta e doentia ânsia de violar aquilo que não possui condições de defender-se. Existiam aqueles que entregaram-se ao adultério, os que devoravam com desespero todo o alimento que possuíam, entregues à gula e aqueles que saciavam a fome dos seus espíritos cansados e oprimidos e entregavam-se ao suicídio.

Seus pés descalços avançavam em direção à prisão dele, seguindo o inconfundível ruído da angústia que reverberava dentro da sua cabeça como um chamado necessitado e urgente.

O bálsamo daquele espectro vulnerável enchia as suas narinas e o atiçava a orexia, levando-o a sentir o sabor daquele corpo encher a sua boca apenas com o manifestar da lembrança, pois nenhuma vida havia sido tão saborosa quanto aquela e isso fazia com que não quisesse nada além dela.

Atravessou os portões com calmaria, deixando com que a lama que um dia foi a sua pele escorresse e evidenciasse o seu avançar pelo chão da casa que abrigava os mais sujos e fingidos seres de toda aquela cidade.

Conseguia ouvir os gemidos fatigados de todos eles ao redor, loucos como animais ao passo que se esbaldavam nos anseios que tomaram conta dos seus corpos pecadores e fracos, divertindo aquele que por eles passava e enchia-se do cheiro da corrente depravação das suas almas corrompidas. Não era com esses, contudo, que ele queria acertar as contas. Não.

DESCONSTRUINDO O ÉDEN | yoonmin Where stories live. Discover now