Pensei nas palavras de Judit até o amanhecer, tendo uma idéia de que isso poderia ocorrer pedi um dia de licença das aulas, que compensaria com um trabalho depois.
Não dei satisfação pra absolutamente ninguém, nem mesmo a diretora que me perguntou os motivos, mas foi uma troca justa uma falta por um trabalho de Química avançada dos elementos naturais.
Meu destino não ficava muito longe, mas foi um sacrifício explicar para o taxista novato onde ficava o bairro e a rua onde eu queria descer.
Paguei uma gorjeta generosa para ele esperar um pouco, que ele aceitou de bom grado e estacionou o carro ao lado do parquinho enferrujado.
Parei em frente á porta com as mãos tremendo e a ansiedade da expectativa do reencontro, afinal esperei por isso desde que voltei para esse mundo.
Bati na porta quatro vezes e abaixei a mão olhando para a maçaneta, que segundos depois girava.
Aos poucos a face pálida dela foi aparecendo e quando ela me viu lhe faltaram palavras em sua boca.
-Quem tá aí? -uma voz feminina gritou ao fundo.
-Entre, entre. -assim fiz, senti a mão dela nas minhas costas me guiar -não é uma boa hora...
E logo entendi o porquê, uma mulher mais velha estava sentada no sofá e logo a reconheci.
Quando ela viu meu reflexo na televisão se levantou e se virou pra mim, deixando o controle remoto cair num som estrondoso no chão.
-Você...-ela sibilou, logo contornou o sofá e veio em minha direção com os olhos arregalados de incredulidade.
-Joane, calma. -minha mãe se interpôs entre nós duas -ok?
-Como eu vou...como vou me acalmar quando estou diante da pessoa que matou meu filho! -sua voz era fraca, porém bastante clara em sua revolta.
Minha mãe respirou fundo, se virando pra mim.
-Acho melhor você ir embora, volte outro dia.
-É bom que ela volte, mas atrás das grades! Eu não sei como ela anda livre, sinceramente essa justiça não vale nada!
-Joane por favor! Não complique as coisas, ela já está indo embora.
-Não vou embora enquanto não conversar com você, mãe. -enfatizei a última palavra, que deve ter mexido com ela.
-Conversar sobre o quê? Aliás, de onde são essas roupas? Onde esteve esse tempo todo? Estivemos semanas á sua procura.
-Eu vou explicar tudo isso se essa velha me deixar falar.
-Como ousa?!
-Joane sente por favor, a conversa é entre Leonor e eu. -ela nem precisou pedir, a velha foi para perto do sofá e tomou alguns comprimidos de pressão alta.
-Você não vai acreditar na fortuna que fiz, por isso não irei falar nada. Eu estive em um lugar...em outro mundo, eu salvei aquele mundo, eu consegui!
Ela pareceu bastante confusa e perturbada com a maneira que falei aquilo, se afastou um pouco.
-Deve ter batido a cabeça, pelo que me disseram um policial te sequestrou!
-Não mãe, eu estive em outro mundo, eu nasci naquele mundo! Eu vi as pessoas serem mortas quando criança e vim pra cá, a senhora deve se lembrar! -cheguei mais perto, com uma euforia incomum.
-Eu não...sei do que está falando, Leonor. -sua voz parecia perturbada enquanto ela me encarava fixamente.
-Eu não sou como todas as pessoas, eu não sou comum! Eu nasci em outro mundo e vim pra cá por algum motivo...
Ela parecia mais incrédula agora, pois se encostou na pia e através do vidro da janela vi ela com o cenho franzido de questionamentos.
-Só pode ser brincadeira, o que aquele policial te fez, hein?! Ele te drogou ou...
-Aquele policial me levou para o lugar que eu não devia ter saído, mãe! Eldarya, a terra dos elementos...-cheguei perto da pia, ela logo recuou um pouco.
A euforia dentro de mim me fez fazer a pior estupidez possível, assim que vi a água sair da torneira me veio uma idéia.
Direcionei o indicador para a torneira e a água saiu de curso, indo em direção á minha mão.
Minha mãe arfou, seu olhar indo da minha mão para meu rosto e o que interrompeu isso foi o barulho de uma caixinha de remédio cair no chão.
-Sabe, você devia ter dito para os policiais que ela estava aqui -a velha disse enquanto se levantava com a caixinha na mão depois de ter pegado ela.
Mas a mulher á minha frente nem parecia ter ouvido, seu peito subia e descia num movimento frenético e sua respiração descompassada.
-Eu tenho poderes. -falei, fazendo a água voltar ao seu curso natural -eu consigo dominar os elementos, mãe.
-Leonor...-ela começou, com a voz trêmula.
-Para de me chamar de Leonor, me chame de filha! Eu sempre fui sua filha, por quê agora isso mudou?!
Minha voz se alterou, fazendo com que as duas mulheres se assustassem.
-Eu vou chamar a polícia. -ela disse pegando o telefone,
-Não vai, não, sua velha idiota! Eu vim aqui pra conversar e vocês vão me ouvir! -o ar conduziu o telefone até minhas mãos.
A velha se apoiou na estante da televisão para não cair pra trás.
-Não fui eu que matei o idiota do seu filho, foi um cara com uma faca que quis me sequestrar e eu estava sendo vítima de abuso na hora, acabei indo com ele e apareceu um portal, só que o policial apareceu e levou ele e...
Minha mãe se apoiou á mesa com uma mão no peito, a velha ainda olhava para o celular em minha mão.
-Você...você matou ele! Quer incriminar algum morador de rua quando era VOCÊ quem estava com as roupas sujas do sangue dele...
-NÃO FUI EU!!!
Meu corpo esquentou de tal maneira que senti o celular derretendo na minha mão, o larguei no chão e encarei as duas com os olhos ferventes.
-Leonor! -a voz dela fez minhas chamas se dissiparem, percebi que ela estava do outro lado da cozinha.
Olhei pra ela, senti o medo dela por ter me visto pegar fogo, uma pessoa cética nunca iria acreditar em forças assim.
-Vai embora daqui, por favor! -o pânico na voz dela junto com as lágrimas em seus olhos já era o suficiente.
-Onde foi que eu errei...-senti meus olhos arderem -éramos uma família perfeita antes dele ter entrado em nossas vidas...
Recuei até a porta da saída encarando ela, incrédula.
Tateei a maçaneta ainda de costas para a porta e a girei, forte demais pois senti o trinco cair no chão depois que abri.
-Adeus, Clarice.
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Penumbra - Os Quatro Elementos
FantasyEleonor Clearwather sempre se destacou em muitas das coisas que fazia, mal fazia idéia de que esses destaques tinham algo a mais do que inteligência.