Capítulo 16: Sempre de olho

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Enquanto tentava adormecer Bill começava-se a lembrar se de coisas de quando era criança, coisas que não se queria lembrar, coisas que não entendia....as chamas...e as figuras sorridentes. Os cadáveres atras deles os dois, aquelas bocas demoníacas....e mais alguém...uma figura feminina?....uma mulher em meio aquele inferno? E depois uma memoria, das mais antigas e também das mais tristes. 

Devia ter uns seis anos não sabia ao certo, era pequeno e estava a brincar com Bell junto da casa do avô, essas memórias faziam o seu coração sentir uma leve nostalgia do tempo em que ainda eram inocentes e ingênuos. Bell tinha finalmente apanhado Bill e agora era a sua vez de tentar apanhar Bell, e no meio da brincadeira os irmãos afastavam-se da casa do avô, queria voltar para trás mas o seu corpo não lhe obedecia estava preso numa memória, uma memória que ele odiava. Já tinham abandonado o terreno à volta da casa do avô e agora brincavam  pelas estradas da esquecida, correndo pelas ruas, trepando pelas paredes, fintando estranhos e conhecidos.

O primeiro a dar por isso foi Bell que estranhou ao ver tantas pessoas reunidas num beco. Estavam perdidos e sozinhos algo que não era de tudo aconselhado pelo avô. Lembrou-se que por essa altura foram abordados por um estranho de casaco longo e uma garrafa vazia na mão.

Bill lembrou-se do receio e do medo que sentiu quando perguntou ao homem se lhes podia indicar o caminho para sair dali. O homem largou a garrafa, espalhando cacos de vidro por todos os lados. O homem gritava a plenos pulmões berrando na cara de Bell enquanto agarrava no seu braço para que ele não fugisse. A sensação de impotência e o medo provocavam em Bill um pânico tremendo, mesmo após ver o avô a correr na sua direção o seu coração não se acalmou. O avô ainda estava a largos metros quando o homem tirou uma faca das calças e balançou no ar antes de cortar o ar em direção a Bell.

Por momentos aquela memória tornou-se no presente e Bill sentiu se novamente no corpo daquela criança fraca e medrosa que chorava desesperadamente por ajuda.

Num gesto impulsivo Bill apanhou um dos maiores cacos de vidro no chão e espetou-o na barriga do homem, ficou calmo por um segundo sentiu algo quente nas suas mãos e depois de o derrubar só se lembrava de arrancar o caco de vidro da barriga do homem para voltar a espeta-lo varias e varias vezes, mesmo que o homem não se mexe-se o medo e a raiva moldava-lhe a visão e Bill ainda via aquela faca a descer sobre a cabeça do irmão, e na sua mente iludida aquela era a única maneira de impedir que algo terrível acontecesse, como se não fosse terrível o suficiente o avô e o irmão verem uma criança a esquartejar um homem bêbado com um caco de vidro.

Se algo tinha marcado Bill na vida tinha sido o sangue quente a jorrar do corpo morto para as suas mãos, as gotas que lhe salpicavam para a cara de cada vez que voltava a espetar o caco de vidro, as mãos cheias de cortes por causa do vidro partido que tantas vezes empurrou contra o homem, e algo que não podia ser descrito como arrependimento ou culpa mas que lhe afetava o coração e lhe destruía a alma, tinha tirado uma vida e sentia que com cada facada também uma parte de si morria.

Bill sentia-se novamente assustado, não por ter tirado uma vida, mas pela maneira como o irmão e o avô o encaravam.

Não olhavam para ele mas sim para o assassino que com as mãos sujas de sangue, chorava e ria sem saber ao certo o que sentir, percebia que tinha perdido a sanidade por momento, mas nem isso lhe trazia conforto ou justificava o que tinha acabado de fazer.

Acordou em sobressalto, tinha lágrimas a escorrer-lhe pela cara e olhava para as mãos aterrorizado, era como se depois de tantos anos as suas mãos ainda estivessem sujas. Sujas por causa de uma morte, sujas por causa de uma morte que ele causou, sujas por terem sido mergulhadas no sangue quente de um homem que nada mais estava do que bêbado, contudo o que mais temia era a expressão gravada no seu rosto e na sua mente, uma criança a chorar e a rir ao mesmo tempo, com a cara tão ensanguentada como as roupas, as mãos trêmulas ainda a segurar o caco de vidro que tinha usado como arma.

Portadores de sonhosWhere stories live. Discover now