A Irmã

516 32 4
                                    

Selena acordava antes do Sol nascer. Caminhava silenciosamente e ia para o bosque. Ninguém nunca a seguiu. Uma ou outra irmã acenava de longe, mas jamais a seguiam. Ela nunca comentava o que ia fazer, mas certamente iria fazer o que toda irmã faz: conversar com Deus. Quando voltava de suas caminhadas solitárias ia direto para o oratório. Lá se encontrava com todas as irmãs e então oravam juntas enquanto o Sol tornava-se cada vez mais brilhante.

Durante todo o dia, Selena fazia suas atividades tranquilamente com seu modo suave de falar, caminhar e até mesmo de agir. Sempre vinham pedir-lhe favores, como fazer curativos nos feridos que apareciam no convento frequentemente. Ela nunca recusava um pedido. Selena? Uma irmã maravilhosa. Uma pessoa que todos podemos confiar, diziam alegremente. Chamavam-na de "A Bondosa" ou "Selena, a Cuidadosa". Amavam-na demais, uma mulher maravilhosa.

Mas havia algo que Selena escondia de todos. Um segredo que era guardado com todas as suas forças. Selena era uma bruxa, e não uma irmã do convento. Na verdade adorava estar ali. O convento ficava numa área de paz, a guerra não chegava ali. Todo o redor havia a natureza, o silêncio. Todos os dias pela manhã, antes do sol nascer, Selena caminhava para o bosque... mas não para conversar com Deus, mas para conversar com o Deus e a Deusa, com os elementais, com a vida. Adorava conviver com todas aquelas mulheres em paz, mesmo que tivesse que manter seu segredo até a morte. A paz era mais valiosa. A Irmã Selena, como se chamava no convento, era quem era aos olhos de todos, mas sozinha era apenas Selena, filha da natureza, mulher livre e adoradora do universo. Se precisava dizer que acreditava em algo para viver em paz, diria sem pensar duas vezes... uma pena que as pessoas não pudessem apenas deixar cada um acreditar no que quiser... maldita Santa Inquisição.

"Irmã, irmã Selena!"

Era a voz de Grande Irmã. Quando era pequena, lembrava-se de haver uma mulher mais velha chamada de Grande Sacerdotisa em sua aldeia, que lembrava muito a Grande Irmã, só mudava mesmo o nome do deus que mencionavam e as roupas. Sorria toda vez que ia atender a Grande Irmã, certamente era algum trabalho com crianças. Ah! As crianças! Adorava mostrar-lhes a natureza e dizer que eram obras divinas e que era para sempre cuidar mesmo das menores plantinhas. Achava incrível como aqueles pequenos seres humanos compreendiam tão bem e obedeciam cada palavra sua.

Chegava a noite. As irmãs iam dormir cedo para acordar antes do Sol, menos Selena. Ela esperava todas irmãs dormirem para depois ir à janela e olhar a Lua, principalmente nos dias de Lua Cheia. Ela chegava a chorar lembrando-se dos esbbaths e dos sabbaths que eram feitos em sua aldeia. Lembrava também do ataque e das mortes e... e parava por aí. Ela não morrera. Fora encontrada escondida por um homem, o capitão daqueles soldados assassinos. Mas esse homem era diferente...

Augustus era seu nome. Ele a encontrou e a prometeu deixar viver se soubesse guardar seu segredo. Ele também era pagão, ele também era filho de bruxas. Uma pena Augustus ter partido para a guerra e nunca mais ter retornado, mas já havia superado esta perda. Selena considerava sua chance de viver como um gigantesco presente dos deuses e agradecia todos os dias, renovando sempre seu voto de silêncio sobre seu verdadeiro eu.

Certo dia Selena conversava com uma irmã quando ouviu uma gritaria, um grito horrendo. Assustadas, correram para saber o que era. Para seu terror, uma mulher, uma amiga sua de infância, estava amarrada a um tronco e sendo preparada para ser arrastada por um cavalo. A Grande Irmã pedia clemência aos soldados, dizia que podia trazer a moça – acusada de bruxaria – para a luz! Ninguém a ouviu. A Grande Irmã fez tudo que pode, até mesmo ficou de joelhos, mas não teve jeito...

O soldado deu-lhe um tapa no rosto, fazendo a pobre mulher cair desajeitadamente para trás e em seguida fez seu cavalo correr o máximo que conseguira. A imagem da mulher fez todas as outras mulheres, as irmãs, chorarem sem parar. Mas o que havia acontecido?

AntologiasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora