Fighter

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Eu sempre fui do tipo que ama. Que ama mesmo, de todo corpo, de todo coração. Do tipo que fará loucuras, todas elas, pelo meu amor. Não foi diferente com o Victor.

Se ele precisava de uma mãozinha para arrumar o carro, eu estava lá. Se ele ficasse doente e não pudesse atender seus clientes, eu me virava como uma secretária. Se, por acaso, sua bronquite o atacasse pela madrugada, eu pegaria a moto e voaria até a farmácia mais próxima.

Como minha mãe dizia: Victor no céu, Victor na Terra.

Aliás...

Foi minha mãe quem disse que eu era uma exagerada. Eu ria. "Mãe, eu o amo!". Ela balançava a cabeça, me olhando com aquele olhar de mãe, que pede pra gente repensar. Infelizmente, ela veio a falecer, e eu que morava com ela, precisei muito de um ombro para chorar. Era dolorido demais olhar para nossa sala vazia... para as festas sem a presença ilustre da minha chata favorita...Só Deus sabe como eu fui forte segurando as lágrimas, pelos meus irmãos menores.

Desde o velório, notei Victor mais distante.

Ele dizia que era impressão minha, pois era até normal... afinal, eu estava sensível pela morte de minha mãe.

Passou um ano, e a impressão continuou. Resolvi conversar com ele sobre isso, e sua resposta foi "Você está louca?". Sorri, me aquietei. Ele sabia que eu o amava demais, é claro que eu é quem estava maluca.

As contas ficaram realmente apertadas com tantos aumentos de impostos do governo. Começo de ano havia as contas da casa, cada vez maiores. E somente eu para dar conta. Victor se ofereceu para morar comigo, assim ele largaria o aluguel e dividiríamos as contas de casa. Achei incrível.

E eu achando que ele estava afastado!

Minha irmã, Estela, tem apenas 14 anos, e meu irmão Iggor, tem apenas 11. Fiquei responsável por eles, e seria ainda por muitos anos. Não acho ruim, mas... se eu soubesse como seria difícil...

Fui forte, mais uma vez. A cada manhã eu sentia como se me vestisse com alguma armadura pesada, de aço, da cabeça aos pés. Tinha que enfrentar um dia de trabalho. Sou garçonete. Gosto do que faço. O problema são aqueles que pensam que não sou gente, e me tratam com desprezo, que me dizem péssimas palavras. Sou forte, posso aguentar isso também. Pelos meus irmãos, pela memória de minha mãe, por Victor.

Num dia daqueles, que a gente chega em casa quase chorando de alívio, me deparei com uma situação tão... eu não sei nem descrever. Estela e Iggor choravam, sentados no sofá. Victor gritava com eles. Devia ter um bom motivo, é claro.

Victor tinha sido demitido e estava nervoso. Tentei conversar, só que era impossível. Ele disse que eu estava sendo incoveniente. Bem... acho que estava mesmo. Segurei a barra.

Quando as contas vieram, quase caí pra trás.

O salário dele não foi pago, e ele caiu em desespero. Tentei arrumar emprego para ele como garçom onde trabalho... e levei um grito. "Está louca? Sou ENGENHEIRO!". Ele tem razão. Como eu poderia rebaixá-lo desse jeito?

Os meses foram passando. A conta de luz foi cortada.

A situação ia de urgente para crítica. Voltei a perguntar se ele não queria tentar como garçom, ou outra coisa. Realmente precisava da ajuda dele! Victor chorou e perguntou se eu não entendia o quanto ele sofria... eu estava sendo insensível com ele. Abaixei a cabeça, morta de vergonha.

O tempo é implacável. Sentia minhas forças serem sugadas a cada manhã.

Numa noite, enquanto eu fazia uma sopa rala de legumes, Estela entrou na cozinha. Os olhos cheios de lágrima. Eu sabia que ela estava triste, coitadinha...

AntologiasWhere stories live. Discover now