Carreguem-me para Valhalla

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"Pessoas se matam por vários motivos.

Tem gente que morre, simplesmente porque seu tempo acaba.

E guerreiros.... bem, esses são especiais. Muitos morrem sob ordens, outros morrem por falta de atenção... mas somente alguns morrem para proteger alguém por amor e poucos são aqueles que morrem por um ideal maior.

Sobrevôo todos os dias, todo tipo de campos de batalhas. De norte a sul, de leste a oeste. Busco por corações valiosos, que sentem o mesmo que eu. Busco corações em chamas, que jamais virariam as costas ao seu dever, sempre levando-o no peito confiante, como sua honra.

Conheci todo tipo de teimosos. Aqueles que acharam que a guerra não seria vencida sem eles, aqueles que lamentaram por seus queridos em casa, aqueles que morreram sem as devidas honras...aqueles que por um triz não escaparam de sua sina. Esses são os que mais admiro. São valentes de corpo e alma, enfrentam de fato tudo que os deuses lhes propõem, sem máscaras, sem querer impressionar ninguém. São valorosos. Possuem todas as habilidades, principalmente a teimosia em vencer - sempre.

São raras as vezes que possuo chance de falar, portanto, ficaria muito feliz em compartilhar essa pequena história... Uma história sobre uma guerreira inesperada..."

Claire, esse era o nome dela.

Uma moça sensível e fraca. Infelizmente os pais jamais poderiam lhe comprar os remédios necessários, jamais poderiam lhe dar a alimentação adequada, sendo que mal tinham uma casa decente. Claire era o que você deve ignorar todos os dias: uma mendiga.

Eu sei que, quando minha atenção se volta para um ser humano, é porque ele vai morrer. E eu preciso estar lá para testemunhar. Confesso que, ao vê-la, pensei tinha algo errado.

Após algumas noites, me dei conta de que ela chamava pelo Anjo da Morte. Triste, mas ainda assim... não é meu trabalho. Fiquei atenta.

Foi no sétimo dia, como costuma acontecer, que ela morreu.

Naquele dia, tão barulhento, Claire acordou com alguém lhe atirando pedras. Chamando-na de vagabunda. As palavras eram bem duras, senti como feriu a moça... que adoraria poder fazer algo por si mesma, mas estava fraca demais... cada dia mais.

Não queria acordar os pais, afinal, era muito cedo e passaram a noite buscando nas latas de lixo algo que pudessem comer. A moça caminhava passo a passo, de tão pesado o fardo que era viver.

Eu a acompanhava de perto, ouvindo seus resmungos, ouvindo seu coração sem vontade de viver.

Claire vagou, pediu comida, apanhou, levantou. Não revidou.

Eu já estava perdendo a paciência. Se nada acontecesse no sétimo dia, então eu iria embora. Mas... mas as ordens divinas nunca falham.

Ao entardecer, Claire se enfiou num beco, atrás de uma fábrica de tecidos. Juntou todas as malhas que conseguiu, e que usaria para fazer roupas. O corpo magricela caberia em qualquer coisa.

Não demorou-se muito ali, logo se virou e se encaminhou de volta para casa.

Uma moça veio correndo, em sua direção, gritando, pedindo socorro. Eu ouvi seu coração acelerar. Não era de medo.

- Venha, sei onde pode se esconder!

Ela pensava na fábrica, onde várias mulheres trabalhavam, dia e noite, quase como escravas. Conhecia muitas delas.

As duas correram. Só que não o suficiente. Um homem apareceu, como uma sombra demoníaca à frente das duas, encurralando-as... enquanto o outro vinha, estalando o pescoço e os punhos.

- Safada, pensa que vai fugir com aquele bacaninha, é?

A mulher tremia, tremia mais do que Claire. O coração da moça era uma tocha no meio do beco escuro.

- Pelo amor de Deus! Nós nos separamos! Deixe-me em paz! - a criatura era linda, de corpo bem feito e saudável... mas com um coração sensível demais. Com medo demais.

Não culpo a mulher. Nunca foi ensinada a lutar.

- E quem é essa preta? Sua amiga, é? Veio defender você também, é?

Ele tirou uma faca do bolso. Eu vi o brilho assassino nos olhos dele. Enfim, foi quando eu entendi o motivo de eu estar ali.

Claire empurrou a moça para longe, gritou, pediu ajuda! Atacou o homem com a faca e chutou o outro, que se dobrou de dor na virilha. Claire não correu. Ela estava decidida a acabar com aquele ser. Eu vi seu espírito brilhar como nunca antes.

É verdade o que dizem. As luzes mais bonitas só são vistas uma vez.

Naquele ímpeto ela conseguiu tomar a faca e atacar a garganta de um e o peito do outro. Felizmente, para mim, um deles, em seu último suspiro, conseguiu quebrar-lhe o pescoço... para depois caírem os três, sem vida.

A moça que sobreviveu nada sabe, mas agradece todas as noites pelo anjo enviado.

Eu, por outro lado, mesmo em todos os anos de minha eternidade, ganhei mais um dia de aprendizado. Claire agora faz parte de meus guerreiros, os einherjars.

Como Valquíria, em nome de Odin, juro solenemente continuar minha vigia pelos valorosos corações. Espero, um dia, encontrar-me com o seu.

...

Para onde você quer ir...

depois que nada mais lhe sobrar?

...

Pode não ser o fim ainda

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