A Domadora de Pesadelos

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"Não quero te machucar"

Era sempre assim que começam os pesadelos...

Aí começavam a acontecer as coisas, como você já deve imaginar. É horrível. Sem dizer que, quando acordo, tenho a maldita paralisia. Fico lá, de olhos abertos ou fechados, sentindo tudo, mas sem conseguir me mexer.

Teve vezes de eu pensar que fui amaldiçoada. Sei lá, que em alguma vida passada eu tivesse sido uma pessoa realmente má, e por isso deveria sofrer mesmo durante o sono.

Mas tinha algo mais bizarro do que os pesadelos e a paralisia...

Quando fui ao psicólogo, ele ficou curioso com essa voz que sempre escuto antes de cada pesadelo. "Não quero te machucar", era o que sempre dizia. E sempre, de certa forma, me feria. Meu estado emocional começou a ficar tão trêmulo, tão fragilizado que caí em depressão.

Como moro sozinha, e longe da família, não tive a quem recorrer.

Deixei o escritório parado. E sem ganhar dinheiro, como eu comeria? E o aluguel? As pessoas acham que, porque você se formou em direito, você já sai ganhando uma grana preta. Ha ha...

Quando as parcas economias começaram a diminuir drasticamente é que eu fui em novos profissionais. Terapeutas, psiquiatras, terapias alternativas... tudo.

Dormia só quando meu corpo caía de exaustão, pois eu evitava a todo custo dormir. Cada dia que passava, os pesadelos vinham com muito mais frequência, vinham mais violentos. Eu caía da cama, só assim para sair daquele desespero.

As crises, como chamavam os profissionais, estavam piorando exponencialmente.

Pediam o telefone de alguém da minha família e eu dava, a contra gosto, claro. Desnecessário. Eles moravam longe e não estavam tão interessados em como andava minha vida. Nunca se importaram em pagar metade de uma parcela da faculdade. Ou um almoço...

Teve uma noite que eu acordei com um policial dando tapas de leve no meu rosto. Ele disse que viera atender a um chamado de algum vizinho meu. Diziam que eu gritava como se estivesse sei lá, matando ou sendo assassinada. Pela expressão do coitado do policial, uma mistura de medo e dó, eu percebi que ele não mentia.

Aceitei tomar os remédios mais pesados. Por uma semana toda eu dormi dopada. No início da semana seguinte, acordei no hospital. O mesmo policial tinha ido lá me resgatar. Ele disse que dessa vez eu não só gritava... eu me debatia em tudo, com uma força monstruosa.

Enfim, me fizeram uma proposta: havia uma certa psicóloga que estava com uma pesquisa muito interessante sobre esses distúrbios do sono. Distúrbios pesados que nem remédios, bem terapias, davam jeito. Eu só teria que largar tudo por uns dias.

Bem, eu já não estava nem trabalhando...

Notificaram minha família. Tomei um remédio para relaxar e acabei apagando. Dessa vez sem pesadelos. Não fiquei sabendo da resposta da minha família.

Fui levada para o tal consultório, que parecia não chegar nunca...

Fomos reto numa estrada longa. Entramos num bosque e seguimos... Longe naquele bosque, entramos numa estradinha de terra. Cerca de 15 minutos, indo cuidadosamente, e enfim chegamos.

Sim, eu logo pensei que me matariam ou torturariam ali.

Imaginei que veria uma mansão ou um laboratório ou uma cabana suspeita. Nada disso. Um dos enfermeiros me ajudou a sair do carro. Me colocou numa cadeira de rodas, porque eu não conseguia mesmo andar.

Respirei fundo aquele ar delicioso.

Sem som de carros.

Sem vizinhos ouvindo 30 tipos de músicas diferentes ao mesmo tempo, disputando quem ficava "por cima".

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