A Sombra Dentro de Mim

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Lembro que eu corria de uma sombra. Foram 3 noites seguidas.

Na primeira noite, o sonho começou tranquilo. Havia um céu azul, pessoas vivendo suas vidas no parque. Eu estava sentado no chão, pronto para um...piquenique? Sei que eu esperava por uma pessoa. Algum tipo de encontro. O mais interessante é que eu via a mim mesmo. E o "eu" do sonho, não me via. Não tenho certeza do que meu eu do sonho pensava, mas estava nervoso. Muito mais do que ansioso. O tal encontro era ou não para ser agradável? E então tudo mudava e quando eu percebia, o meu eu do sonho já estava correndo de alguma coisa sinistra. Uma sombra imensa.

Na segunda noite, o sonho já começava nublado. Quase não havia pessoas no local. Alguma coisa, depois dos prédios, devia estar pegando fogo, pois uma fumaça imensa subia. E desta vez... eu mesmo quem estava ali sentado, esperando... Esperando quem?

Esperei, até porque... o que mais eu faria?

Senti uma necessidade de olhar ao redor... e lá vinha a sombra. Desta vez era um pouco menor, mas ainda aterrorizante. Meu primeiro impulso foi querer correr, mesmo que algo, dentro de mim, me pedisse para esperar.

Quanto mais a sombra chegava perto, mais meu coração batia de forma irregular. Será que eu estava tendo um infarto enquanto dormia?

O fato é que eu não aguentei. A dor já estava se tornando insuportável. A visão, abominável! Corri com as forças que me restavam. Sei que gritei e então acordei com meu irmão me chacoalhando.

Segundo ele, eu chorava. De soluçar.

...

E aí veio a terceira noite.

Fui dormir desconfiado. Mas fiz de tudo para não ter pesadelos. Tentei não comer muito. Tomei um belo banho quentinho. Coloquei umas folhas de louro com artemísia e camomila debaixo do travesseiro. Meditei e fiz uma oração, pedindo luz e tranquilidade.

Deitei. Sonhei. Não teve jeito. Lá estava eu, sentado, esperando... Contudo, não havia mais parque. Não haviam prédios ao fundo, apenas uma fumaça escura que deixava tudo meio nublado. A Sombra vinha, sem cerimonia Não tive muito tempo de reparar mais nada ao redor.

No primeiro pensamento de correr, senti uma dor no coração. Era infarto. Só podia ser. Gelei.

Bem, pelo jeito a tal sombra iria me alcançar de qualquer jeito. Virei-me para a maldita. Encarei, mesmo enquanto meus olhos piscavam de nervoso. Mesmo enquanto eu sentia o suor escorrer, me fazendo gaguejar.

"Vo-você v-vai me-me-me l-e-e-evar?"

Imaginei que uma foice se materializaria. Imaginei que um buraco apareceria debaixo de mim e eu cairia no fogo... Tudo que a sombra fez foi me trazer para perto dela, bem perto, de forma que eu – ainda que sem vontade alguma – tive que abraçá-la.

Conforme minha cabeça entrava no breu dentro daquela Sombra, um Universo começou a se expandir. Lá estavam tantas memórias doloridas. Minha infância. O período escolar. O bullying. A exclusão. Lá estavam os momentos que tentei varrer para debaixo do tapete.

Sombra maldita. Pedaço meu que me assombra. Parecia que eu estava caindo.

Ansiedade transformando-se num monstro real? Não seria mais do que eu. Forcei minha saída daquele lugar... e acordei.

...

Esta noite vou dormir sem me preocupar tanto. Já sei o que é. Chega de correr. Não sei bem como lidar, mas já sei que não posso correr, não posso temer. Vou encarar, vou fazê-la aprender a falar. Deve ser doloroso demais ser esquecido, banido...

Ás vezes, o pior pesadelo, é apenas um pedaço nosso ferido.

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