Capítulo (3)

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Estava bem escuro.

Eu não enxergava muito bem onde estava pisando, e pra piorar, meus olhos estavam embasados por conta das lágrimas que não paravam de descer.

Eu caminhava um pouco apavorada naquela estrada assustadora quando do nada uma luz surgiu atrás de mim. Um carro passou ao meu lado e diminuiu a velocidade. Abaixaram o vidro escuro e então avistei aqueles olhos incrivelmentes azuis e frios de Miguel.

- Entra! - Disse de forma grossa.

Revirei os olhos e continuei a andar.

- Você não escutou garota? Eu mandei entrar! - Disse entre os dentes.

- Você não manda em mim! - Praticamente gritei com a voz embargada.

O carro parou e pensei que estaria livre daquele homem. Mas o barulho da porta batendo me fez olhar para trás. Miguel vinha em minha direção com os punhos cerrados e andando rápido. Apressei os passos, mas ele segurou meu pulso e me puxou. Voltei contra seu peito de forma brusca.
- Não gosto que me desobedeçam. - Falou olhando para baixo com os olhos fixos nos meus.
- Estou pouco me lixando para aquilo que você gosta ou não. - Ele parou um momento e me fitou de forma estranha.
- Você está chorando?
Para um homem que se sente tanto, essa pergunta é bem idiota.
- Chorando? Não. Estou rindo atoa sabendo que vou perder a casa onde moro. - Aproveitei a deixa e soltei meu braço de seu aperto, mas continuei parada o olhando com toda mágoa explícita. A chuva caia em seu rosto encharcando seu cabelo preto, tive vontade de passar a mão por eles.
Não estou pensando coisa com coisa.
- Estou cansado, agora molhado e sem paciência alguma. É melhor obedecer e vir comigo.
Escutei o que ele disse, e só para afronta - lo me virei para continuar andando, mas Miguel novamente me segurou.
Só que dessa vez me tirou do chão jogando por cima do ombro. Eu bati em suas costas o que não adiantou nada, pois ele continuou andando em direção ao carro.
- Eu te odeio! - Falei com o coração apertado.
- Você não é a única. - Suas palavras me fizeram ficar quieta. Senti uma pontada de arrependimento ao dizer aquilo. Não gosto de falar essas coisas, muito menos magoar as pessoas, mas estou confusa demais com a situação que minha família está passando, e simplesmente as palavras saíram e seu tom ressentido me fez mal.
Me sentei no banco de carona, e fiquei o olhando atravessar a frente do carro. Porque será que ele tem essas feições tão duras?
- Você deveria tirar essa jaqueta ensopada, ou vai adoecer... - Disse sem me olhar e arrancando com o veículo.
- Se eu tirar ela vou morrer de frio.

Miguel levou a mão no banco de trás e me entregou uma jaqueta seca. Queria recusar, mas estava frio e adoecer não está nos meus planos.
Assim que nos aproximamos do centro da cidade após um trajeto silencioso me vi na necessidade de comunicar que não estava indo para casa, e sim para o serviço.
- Se quiser me deixar por aqui já está bom...
- Vou leva-la até em casa. - Me cortou. Essa mania dele é irritante.
- Não estou indo para casa, tenho que trabalhar.
- Você trabalha onde? - Olhou rapidamente para mim.
- No restaurante Lemes!
- Eu te levo Isabela. - Tinha me esquecido como detesto que me chamem por Isabela. Já me acostumei a ser chamada por apelido, e quando isso não acontece eu acabo estranhando.
- Bela. Não gosto que me chamem de Isabela. - Disse em um sussurro. Sou uma idiota, ele é um cretino que não está nem aí se minha família vai pro olho da rua, eu ainda vou e digo para me chamar pelo apelido. Ele não merece esse tipo de intimidade.
Chegamos ao restaurante que estava lotado. Eu estava atrasada e se Selina estiver presente vai me dar uma bronca.
- Obrigada! - Agradeci sem olha-lo e desci do carro. Caminhei em direção a porta principal e quando estava na recepção senti uma presença atrás de mim. Virei e por pouco Miguel não brecou comigo, ele soltou um suspiro e olhou para baixo. Nossa diferença de altura deve ser de uns vinte centímetros.
- O que está fazendo? - Perguntei.
- Provavelmente você está atrasada, então vou explicar a seu chefe o motivo do atraso.
Quê? Porque?
- Está sendo legal porque? A consciência já começou a pesar? - Cuspi as palavras.
- Cale a boca, antes que eu me arrependa.
Grosso!!
É melhor eu ficar quieta mesmo, sua justificativa vai me ajudar bastante ainda mais agora que querem despedir alguém.
Segui em frente, normalmente Roberto caminha por entre as mesas dizendo coisas agradáveis, então segui para o saguão principal. Quando surgi na porta as pessoas olharam de forma desinteressada, mas quando Miguel se posicionou atrás de mim, todos olhavam de forma curiosa. Algumas mulheres visivelmente o cobiçavam, os homens olhavam torto, e alguns pareciam com medo.
Roberto e a esposa que estavam próximos a mesa do prefeito olharam para nós parados ali e franziram o cenho. Eles pediram licença ao Prefeito e a primeira dama e vieram em nossa direção.
- Está atrasada Bela... - Selina disse entre os dentes.
- Ela estava comigo. - Disse Miguel e eu me senti estranhamente protegida. - Estávamos resolvendo alguns assuntos de extrema importância, por isso o atraso. A culpa é toda minha.
- Ah mas não tem problema algum! - Disse Selina ativando seu modo puxa saco de rico.
- Não quer se sentar e provar um de nossos pratos Miguel Alcântara? Cortesia da casa. - Perguntou Roberto.
- Deixe para uma próxima! - Disse educadamente e pousou uma mão em meu ombro. - Até mais Isabela!
Pronunciou meu nome lentamente, fez isso de propósito. Então deu as costas e foi embora.
Antes que tomasse uma bronca me virei, indo pegar meu avental.
Fernando estava com ele em mãos. Desde que comecei a trabalhar aqui sempre foi assim, eu chegava e lá estava meu avental em suas mãos.
- O que estava fazendo com aquele homem? Essa jaqueta três vezes maior que você é dele? - Perguntou sem nem ao menos me dar oi.
Olhei para baixo e me xinguei mentalmente por ter esquecido de devolvê-lo. Fora que esqueci a minha no carro dele. Que ódio de mim mesma.
- Sim a blusa é dele. E estávamos resolvendo algumas coisas, que são particulares.
- Você foi até a empresa dele?
- Não. Até a casa... - Murmurei sem graça.
- Você é louca. Ou então não sabe nada a respeito dele, a não ser que é um homem rico....
- Menos papo e mais ação. - Selina bateu as mãos e voltamos a trabalhar. Minha cabeça não estava no serviço, e agredeci muito quando o expediente terminou.
Voltando para casa aproveitei para pensar. O que será que Fernando quis dizer que eu não sei nada a respeito de Miguel? Não sei muita coisa mesmo. Sei que é rico, idiota, lindo e a na cidade falam algo sobre um mistério em suas costas, mas as pessoas falam demais, mentem de mais, então isso pode ser mentira, mas de qualquer forma vou tirar essa história a limpo amanhã.

Bela e  FeraWhere stories live. Discover now