Capítulo (1)

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O despertador como sempre me acordou as seis.

Meu pai já estava martelando em sua oficina - era assim todos os dias.
Levantei e fiz minha higiene matinal.

Pela janela dei uma breve espiadinha no dia. Estava melancólico. Nuvens cinzas e pesadas, as ruas molhadas e o vento frio castigava quem se arriscava a sair com blusas finas.

Fui para a cozinha e preparei nosso desejum. Assim que estava terminando de arrumar nossa simples mesa papai chegou.

- Bom dia filha! - Ele desejou se acomodando na cadeira.

- Bom dia paizinho! - Respondi o entregando uma xícara de café e também me sentando ao seu lado.

- Eu já disse que seu café é o melhor do mundo Bela? - Perguntou ele em meio a uma tosse.

Meu pai anda muito doente, mas tenta disfarçar. Eu queria que ele parasse de trabalhar tanto, mas só meu salário como garçonete não daria conta das despesas.

- Você fala isso todas as manhãs! - Sorri e servi meu café, mas logo  percebi que ele ainda não havia comido nenhum pedacinho se quer do bolo de fubá - o seu favorito.

Algo não está certo.

- Aconteceu alguma coisa? - Perguntei o olhando atentamente.

Ele respirou fundo, e enfiou a mão no bolso de seu casaco surrado. Tirou de lá uma carta e me entregou.

Peguei o papel de suas mãos que agora estavam levemente trêmulas.
Meus olhos foram se enchendo de lágrimas a cada linha que eu lia. Tínhamos quinze dias para pagar nossos meses de aluguel atrasados, ou seríamos despejados. A quantia era alta, e de forma alguma conseguiríamos juntar esse tanto de dinheiro em tão pouco tempo.

- O que nós vamos fazer papai? - Perguntei ainda olhando para a carta.

- Vou ir outra vez no banco... Talvez eles deem o empréstimo que precisamos dessa vez.

Um silêncio se instalou. Nossa situação está critica, não sei o que posso fazer para ajudar, mas para começar é melhor eu ir chamar a Duda e ir trabalhar.

Fui até o quarto de minha irmã. Ela já estava devidamente agasalhada com sua mochilinha nas costas. Nem precisei acorda-lá.

Assim que terminou de devorar seu pedaço de bolo me seguiu para rua.

O vento estava congelando meu rosto e minha irmã andava bem juntinho a mim. A deixei na porta do colégio e segui para o trabalho.

Assim que cheguei no restaurante Lemes, Fernando me lançou um olhar alarmado e já veio com meu avental em mãos.

- Que cara é essa? Algum problema?- Perguntei.

- Sim. A bruxa da Selina quer cortar gastos, e ao invés de parar de comprar aqueles quadros horríveis e caros que anda pendurando por aí, decidiu que vai despedir alguém.  Ela está de olho em todos.

- Aí que droga! - Resmunguei.

Isso justo agora? Não posso me dar ao luxo de perder esse emprego. Os remédios do meu pai são caros, temos as despesas do dia a dia, e a dívida com o dono do imóvel onde moramos. Ficar desempregada está fora de cogitação.

- Ela vai passar alguns dias ou semanas nos avaliando, e só então decidirá quem vai ser mandado embora. Mas acho que o senhor Roberto não deixaria a esposa te despedir....

Encaro Fernando de cara feia. Eu sei que Roberto tem uma queda por mim, mas ele tem idade pra ser o meu avô. É nojento ver como ele me cobiça e olha para meu corpo. Só aguento isso porque arranjar outro serviço não é tarefa fácil. E ter o chefe me desejando não é uma vantagem, quando a esposa já percebeu isso, e deixa bem claro que me odeia.

Preciso mostrar que sou uma boa funcionária.

Com esse pensamento em mente comecei meu dia de trabalho.

A hora do almoço é sempre muito corrida. Tratei a todos clientes com muita simpatia, e nem fiz cara feia para as cantadas que recebi. Eu já deveria ter me acostumado, mas não, eu sempre me sinto mal quando escuto alguma gracinha, ainda mais porque não são elogios educados, são coisas obscenas e nojentas.

As três da tarde, pude parar para almoçar. Mas não tinha apetite algum, fiquei revirando o macarrão em meu prato, pensando nos problemas.

Retirei a carta de despejo do bolso e a reli novamente. No final estava assinado Miguel Alcântara.

É um homem poderoso na cidade, tinha nas costas um terrível mistério, mas nunca me interessei em saber qual era e pra ser sincera eu nunca o vi. Mas mudaria isso em breve. Preciso falar com ele, implorar se for preciso, que aumente o prazo para conseguirmos quitar a dívida.

Guardei o papel no bolso novamente, e fui limpar o balcão. Estava distraída com a limpeza, quando Fernando se aproximou de mim.

- Ei docinho, seu cliente favorito está aí. - Disse ele sorrindo.

Fernando é um cara muito gente boa e também muito lindo, um dos poucos que nunca deu encima de mim, e sempre me respeitou.

Olhei para as mesas e avistei Martín.

Ele me paquera a muito tempo. É alto, loiro, gentil e bonito, mas algo me impede de gostar dele. Quando o olho, tenho uma sensação estranha, como se ele escondesse algo. Já deve estar com seus trinta e poucos anos, e já me pediu em namoro e casamento milhares de vezes.

- Ele não é meu cliente favorito! - Resmunguei para Fernando.

- Mas você é a garçonete favorita dele, então vá atendê-lo. - Revirei os olhos e sai de trás do balcão.

- Boa tarde Martin. Está um pouco tarde, mas conseguimos rapidamente algo para você. - disse sorrindo.

- Boa tarde! Ótimo, pode ser o mesmo de sempre. Ah você está incrivelmente linda hoje! - Ele sorriu de lado.

- Obrigada. Vou providenciar seu pedido,com licença!

Dei o pedido ao cozinheiro e peguei minha bolsa.
Nosso  restaurante por ser localizado  em um lugar de muito movimento fica aberto o dia todo, e a noite também.  Para conseguir sobreviver, tenho que trabalhar os dois turnos, o que é muito cansativo, mas extremamente necessário. Preciso de cada centavo, e as gorjetas ajudam bastante.

Martín sempre me da notas de cinquenta e até mesmo cem como gorjetas, eu gostaria de recusar, mas preciso delas, mas hoje não vai dar, não vou esperar ele terminar sua refeição, pois vou aproveitar esse momento de calmaria, e o fim de meu primeiro turno e ir até a casa de Miguel Alcântara.

Bela e  FeraOnde histórias criam vida. Descubra agora