Capítulo (2)

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Aperto a jaqueta ao redor do corpo, quando saio do restaurante.

Uma chuva fina e extremamente irritante deixa tudo ainda mais frio. Só para piorar a situação esqueci minha sombrinha no armário dos funcionários.

Não posso voltar para pegá-la pois tenho pouco tempo para chegar a casa de Miguel, visto que ele mora afastado da cidade.

Quase meia hora depois,  o ônibus me deixou em um ponto meio desértico, poucos carros passavam por ali.

Segui por uma estrada de chão que estava levemente escorregadia. Era cercada por árvores contorcidas e densas, deixando tudo com ar misterioso e um pouco assombrado também.

Quando cheguei ao portão, minha boca se abriu. A casa - se é que podia ser chamada de casa - era parecida com um castelo, com janelas que iam do teto ao chão, mas estava com ar de abandonada.
Eu diria que ninguém morava ali se não fosse pelos canteiros de rosas vermelhas muito bem cuidados.

Empurrei o portão que para minha surpresa estava aberto.

Caminhei pelo caminho de pedras entre a grama que levava até os degraus da varanda.

Um arrepio me percorrereu, mas ainda assim fui até a porta e apertei a campainha.

O ding dong pareceu percorrer a casa toda, mas ninguém veio me atender. Apertei mais uma vez, e quando me preparava para apertar a terceira uma senhora abriu a porta.

- Posso ajudar? - Ela perguntou com um sorriso.

- Sim... Eu hã... vim conversar com Miguel Alcântara! - Disse insegura.

- Sobre?

- É particular!

Não quero ficar contando para ninguém sobre a atual situação financeira da minha família.

- Entendi! Mas ele ainda não chegou do trabalho.

Um arrepio percorreu meu corpo. Nossa, eu estava quase congelando na varanda, ela deveria me convidar para entrar.

- Tenho um assunto importante para tratar com ele. Eu poderia entrar e esperá-lo?

Ela concordou com a cabeça e me deu passagem.

O interior da casa era em tons escuros, os móveis eram em um estilo antigo, mas todos limpos e brilhantes. Quem trabalha aqui deve ter muito trabalho. No centro da sala uma enorme escada ligava a dois corredores.

Me sentei no sofá e comecei tamborizar os dedos enquanto esperava.
As horas foram passando. Tomei chocolate quente, comi biscoitinhos e quando já estava pensando em desistir, a porta foi aberta.

Um homem de sobretudo preto, barba por fazer, e olhos de um azul escuro impressionantes  apareceu. Sua expressão era dura, e seu corpo que provavelmente deve ser definido estava tenso. Seu olhar frio pairou sobre mim.

Me levantei do sofá e a senhora que atendeu a porta quebrou o silêncio.

- Essa moça está esperando pelo senhor. - Disse ela.

- Quem é você? - Perguntou com sua voz grossa.

Meu coração acelerou e comecei a tropeçar nas palavras.

- Sou a Bela, hã... Isabela!

-  E o que quer? - Perguntou um pouco desinteressado.

Me recompus, estou aqui para resolver algo importante, não posso me deixar levar pelo nervosismo.

- Tenho um assunto para tratar com o senhor. Podemos conversar por cinco minutos?

- Não tenho assunto nenhum para tratar com uma fedelha feito você. Vá embora da minha casa! - Ele disse e começou a andar em direção a escada.

Fedelha?? Eu não sou uma criança.

- Não é só porque você é um velho, que alguém da minha idade pode ser considerada uma fedelha.

Droga, o que estou falando? Não posso chamar de velho quem tem nas mãos o meu destino, algo tão  precioso para mim. Fora que ele deve ter uns trinta e poucos anos no máximo.

- O que você disse garota? - Ele se virou rapidamente para mim. Engoli seco.

- Desculpe! Por favor, eu só preciso de cinco minutos.

Eu não me importo de implorar, só preciso conversar com ele.

-  Apenas cinco minutos. Me acompanhe! - Deu as costas e começou a subir as escadas me apressei e comecei a segui-lo pelos corredores.

Eu me perderia fácil nesse lugar.

As paredes eram repletas de pinturas, a maioria de rosas e alguns rostos deformados. Pelos traços creio que sejam o rosto de uma única mulher.

Continuei olhando os detalhes quando do nada Miguel parou, eu estava distraída e acabei colidindo com suas costas.

- Me desculpe... - Sussurrei sem graça, recebendo um olhar irritado.

Ele abriu uma porta e fez menção para que pudesse entrar.
O escritório era repleto de livros, e esse era um dos cômodos com a janela enorme.

Miguel se sentou em uma cadeira de couro e apoiou os pés na mesa.

- Seu tempo está correndo... - Disse batendo no relógio.

- Eu e minha família moramos em um imóvel do senhor. Recebemos recentemente uma carta de despejo, onde dizia que temos quinze dias para pagar a dívida ou iremos para a rua. É pouco tempo e nós não vamos conseguir....

- E eu com isso? - Perguntou passando a mão pela barba.

- Por favor, aumente esse prazo.

- De forma alguma. - Levantou-se e foi para perto da janela.

Como ele pode tratar com tanta falta de interesse um assunto tão sério como esse? Talvez porque ele seja rico e tem um teto sobre sua cabeça e não corre o risco de o perdê-lo.

- Meu pai esta doente, tenho uma irmã pequena e....

- Eu não me importo Isabela. - Me cortou elevando um pouco a voz.

- Não se importa?

- Não. Eu não me importo. Não adianta essa chantagem emocional barata. Eu não tenho coração a muito tempo.- Respondeu irritado e pesaroso.

Pude sentir certa mágoa em suas palavras, mas não me comovi, fiquei foi com raiva.

- Deu pra perceber. Espero que você pelo menos tenha consciência, e que ela fique bem pesada, quando souber que eu e minha família fomos morar na rua. O senhor é rico, uma casinha como aquela não faria diferença alguma em seu patrimônio, fora que eu  só tinha pedido um prazo maior.... - As lágrimas começaram a queimar.

Fui me afastando de costas. Seus olhos não deixavam os meus, mas não via nenhuma emoção ali. Nem comoção, nem raiva, nada. Era um olhar vazio, mas ainda sim intenso de um forma que não sei explicar.

Sai do escritório e fechei a porta.

Droga como vou achar a saída? Não lembro o caminho. - Pensei comigo mesma.

Saí andando, e acabei encontrando a mulher que abriu a porta. Até que ela era simpática, e me levou até a saída.

Já estava escuro quando atravesei a porta principal  e a iluminação do local não ajudava muito. Cheguei ao portão e olhei para trás. Na vidraça pude ver sua silhueta. Ele estava me observando.

Ignorei seu olhar e continuei meu trajeto, e para piorar a situação voltou a chover.
Eu batia o queixo, mas não podia parar, tinha de chegar até o ponto de ônibus.

Bela e  FeraWhere stories live. Discover now