Part. 3

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Depois do acontecido de ontem nós fomos para o quarto, cada um para o seu. Acordei às dez da manhã, como de costume e fui tomar meu café da manhã. Eu já estava acostumado com aquela rotina, depois de um tempo, enquanto comia, ouvi um sussurro no meu ouvido "eu sei o que você fez na noite passada" e uma risada, era Letícia, ela se sentou na minha frente, ficamos comendo e eu expliquei para ela o que tinha acontecido. Já estávamos na sobremesa quando Pedro chegou, se sentou ao meu lado e perguntou.

- Onde você estava? Estou te procurando há um tempão.

Olhei sério para ele, engoli o doce e disse:

- Eu estava dormindo. Por que estava me procurando?

- Você é a única pessoa com quem eu falo aqui...

- Por que não me procurou no meu quarto?

- Eu achei que todos tivessem um horário pra acordar, então não pensei na possibilidade de você estar no quarto...

- Eu me acordo às dez, sempre. Se quiser, me procura lá e pra eu não ser o seu único amigo aqui dentro, deixa eu te apresentar a Letícia. - apresentei eles e então Pedro perguntou à Letícia a sua história. Então ela começou a contar a história que eu não aguentava mais ouvir. Tive a leve impressão de quele iria perguntar a história por trás da internação de todo mundo com quem ele falasse.

- Aos meus 13 anos de idade eu namorei com um garoto, passado umas duas semanas ele disse que me amava e que queria fazer amor comigo, eu fiquei com medo no início, mas ele me acalmou e eu acabei concordando em fazer, mesmo com medo. Depois de um tempo nós transamos sem camisinha e na primeira vez em que isso aconteceu, eu engravidei, quando eu descobri, não fiquei com medo, pois sabia que ele me amava e iria ajudar a criar o nosso filho, mas quando eu lhe contei, ele começou a dizer que o filho não era dele, eu havia o traído e que ele não ia assumir e que tudo entre nós estava acabado. É claro que aquilo tudo foi forte demais pra mim, contei a minha mãe e ela disse que eu teria que ter a criança, aborto não era opção existente, eu não queria ter aquela criança que destruira o meu relacionamento, então eu tentei me matar, mas não consegui, então eu vi que minha única opção era cuidar da criança. Quando ele nasceu eu tive nojo de ver ele, mas depois de um tempo eu me apaguei a ele, cuidei dele, passei a amá-lo, mesmo que na minha cabeça ele fosse o motivo pra destruir o meu relacionamento com uma pessoa que eu tanto amava. Comecei a trabalhar, a me sustentar a mim e meu filho, ele cresceu, virou uma criança linda e simpática, eu não conhecia ninguém que não gostasse dele, coloquei ele escola, ele sempre voltava chorando e dizia que odiava aquela escola, mas não queria me contar o que acontecia. Então eu o coloquei contra a parede e fiz ele me contar, não aguentava mais aquilo, então ele disse que as outras crianças da escola excluíam ele, caçoavam dele, eu não entendia o porque do fato de sermos negro provocava tanta discórdia, mas provocava e muita, e eu não sabia o que fazer pra resolver a situação, então conversei com ele, disse pra ele não ligar para aquilo, mas tudo que ele queria era ser uma criança normal, ter amigos pra brincar no intervalo, ter com quem conversar. Ele não queria ser a pessoa da qual todos se afastavam, da qual todos odiavam. Um dia, antes de eu ir ao trabalho, ele pediu pra que eu deixasse ele adotar um cachorrinho na agropecuária que tinha perto de nossa casa, achei que aquilo poderia ajudá-lo, então deixei, dei dinheiro para ele comprar a ração para o cachorro e fui trabalhar. Quando cheguei em casa, do trabalho, não o encontrei na sala, achei que ele poderia ter ido passear com seu novo cachorro no seu lugar favorito, o procurei lá e não o achei, eu estava preocupada, voltei pra casa pra ligar para a polícia, mas quando fui ao meu quarto pegar o celular que estava na minha bolsa, vi que a porta do banheiro estava entre-aberta, ele sempre fazia isso quando ia tomar banho, então decidi entrar pra ver se ele estava lá e ele estava, mas atirado no chão, com veneno de rato na mão. Ele havia se matado e aquilo me matou também, eu não consegui suportar a dor, não tinha nada pra fazer a respeito disso, não sabia o que fazer. Aquilo me atormentou por noites e noites, eu acordava gritando, me arranhava, tentei me matar de novo por conta de ter perdido o filho que tanto amava, então me trouxeram pra cá. Até hoje não entendo o porque de terem me trazido pra esse hospício de merda, eu não sou louca, mas prefiro ficar aqui, onde tenho com que me distrair, do que ficar em casa, pensando nele...

- Sinto muito pela perda. - disse Pedro, para Letícia, ela assentiu e sorriu com o canto da boca.

- Por que você tem esse interesse em saber o que trouxe as pessoas pra cá, Pedro? - perguntei.

- Eu só perguntei pra ti e pra Letícia...

- E não vai perguntar pra outra pessoa, se eu te apresentar a alguém?

- Me pegou... Bom, eu pergunto, porque gosto de ouvir histórias e é bom saber que existem histórias piores que a minha.

Assenti com a cabeça, mesmo não entendendo aquilo.


SanatoriumWhere stories live. Discover now