Part. 10

322 23 2
                                    

Eu acostumava acordar sempre às dez, mas desta vez eu acordei às sete por causa dos gritos de David, deveria ter sonhado mais uma vez com sua mãe. Não era a primeira vez que isso acontece, mas fazia tempo que isso não acontecia.

Ouvi batidas na porta, mandei entrar, era Letícia.

- Ainda bem que também está acordado.

Eu estava praticamente dormindo ainda, esfreguei os olhos e sorri.

- O que acontecendo?

- David e sua mãe de novo...

- Imaginei, levaram ele pra solitária de novo? Ele ficou quieto tão rápido...

- Não, o Pedro o abraçou e começou a conversar com ele, depois o levou para a sala de recreação.

- O Pedro?

- Sim, está com ciúmes? - eu ri ao ouvir aquilo e respondi

- Não, eu só não esperava que isso acontecesse. Mas enfim, você veio aqui por algum motivo em especial ou só pra saber se eu estava acordado?

- Eu quero sair daqui. Quero tomar sorvete, por conta do frio ninguém quer ir e a Olga disse que só me deixaria sair se outro paciente saísse também... Vamos?

- Tudo bem, só deixa eu me arrumar.

- Está bem, vou sair daqui, porque não quero te ver pelado. - ela disse e riu

- Como você sabe que eu estou pelado?

- Quando você dorme vestido, você deixa a cueca no corpo e não do lado do travesseiro, junto com as outras roupas... - nós rimos e ela saiu do quarto.

Me levantei e fui ao banheiro, escovei os dentes, arrumei meu cabelo, eu queria tomar banho, mas eu sempre demoro no banho, isso poderia fazer Olga, nossa monitora, mudar de ideia sobre o sorvete, além do mais, eu não queria caminhar até o banheiro masculino pra tomar banho, seria bom se tivesse chuveiros nos quartos, mas pra evitar suicídios, mas por conta da taxa de tentativa de suicídio ser grande entre os pacientes que são trazidos pra cá e de alguma forma, no passado, já ter ocorrido um suicídio envolvendo um chuveiro do banheiro dos quartos, o dono do hospício mandou tirar os chuveiros de todos os quartos e mandou construir dois banheiros para tomar banho, um para as mulheres e o outro para os homens. Como eu sei dessas coisas? Quando eu vim pra cá eu fiz muitas perguntas à Olga e sobre as histórias dos pacientes, eu prestava atenção nas conversas entre os pacientes, nas reuniões -que já não acontecem mais, agora as histórias são contadas diretamente à Olga- e se não prestava, bom, Letícia adorava contar histórias, principalmente quando são baseadas em fatos reais ou quando é ela quem escreve a história.

Saí do banheiro e fui me vestir, coloquei minha cueca, uma calça preta, uma camisa preta e um sueter. Pra minha sorte, esse não era o tipo de hospício que tem que usar roupas disponibilizadas pelo hospício, poderíamos levar as roupas que pegamos de casa, isso ajudava bastante os pacientes a saírem pra rua, porque assim, as pessoas não ficavam olhando com pena pra gente.

Saí do quarto e fui a procura de Letícia, ela estava na recepção, junto de Olga.

- Demorei?

- Não.

- Podemos ir ou vocês querem pegar alguma coisa? - perguntou Olga, eu e Letícia balançamos a cabeça negativamente e seguimos em direção a porta, junto de Olga.

Entramos na vã e seguimos o caminho, chegamos rápido, fomos a um café que também vendia sorvete. Olga sempre dizia que adorava esse lugar e que esperava poder nos levar algum dia, porque sempre pediam para ir pra outro lugar. Nós entramos na cafeteria e nos dirijimos ao caixa e fizemos nossos pedidos, Letícia pediu uma taça grande de sorvete de chocolate, morango e flocos, eu pedi um capuccino e Olga pediu uma xícara de café.

Nos sentamos à mesa e começamos a conversar, enquanto esperávamos nossos pedidos. Olga não era chata, na verdade, ela era a única pessoa que trabalhava no hospício e que tratava os pacientes com humanidade, ela era bem legal.

- Olga, por que você nos trata dessa maneira? - perguntou Letícia.- Eu não me refiro só a mim e ao Pedro, mas a todos os pacientes, você é a única que não é rude com a gente.

- Bom, Letícia, quando eu era pequena eu visitava vários hospícos, asilos e hospitais, junto com meu pai, que desde cedo gostara de visitar lugares assim para ouvir histórias e alegrar as pessoas que ficavam lá. Eu também sempre gostei de fazer essas coisas, era como um hobbie pra mim, mas com o tempo eu percebi que eu gostava de frequentar lugares assim, porque por algum motivo faziam com que eu me sentisse bem, porque eu queria ajudar pessoas, então decidi trabalhar com isso. Além do mais, como diretora e monitora do internato - Olga gostava de dizer "internato", ao invés de hospício, porque achava a palavra muito "rude".-, eu sei da história de todo mundo que está ali.

- Você é diretora do hospício desde que construíram, então? - perguntei.

- Sim, Diego. Eu era diretora de outro internato, mas quando construíram o de vocês, me chamaram para ser diretora e monitora de vocês, então eu aceitei.

- Por que saiu do outro?

Na hora que perguntei nossos pedidos chegaram, Olga tinha pedido que entragessem todos juntos, Letícia começou a tomar o seu sorvete e eu a tomar o meu capuccino, mas Olga esperou o seu café esfriar.

- O outro internato em que eu trabalhava era muito... Como posso dizer? Bom, eu não gostava muito desse internato, porque minha antiga madrasta trabalhava lá e ela insuportável, eu odiava ela, odeio até agora pra dizer a verdade, então aceitei o convite de trabalho.

Quando Letícia tinha terminado seu sorvete, nós saímos do estabelecimento, Olga nos convidou para caminharmos um pouco pela rua, pois confiava na gente. Mesmo um de nós sendo assassino ou um psicopata, - mais uma razão para eu gostar dela, ela confia na gente, indepente do tenhamos feito no nosso passado.- nós obviamente aceitamos, caminhamos mais um pouco, depois voltamos para a vã e fomos para o hospício.

Quando voltamos Letícia e eu fomos procurar por Pedro, ele ainda estava com David, Letícia viu que eu não tinha ficado feliz com aquilo, acho que eu estava com ciúmes, não sei direito o que é, então ela me convidou para ver filme na sala de filmes e pediu permissão de Olga novamente, outros pacientes foram junto com a gente e ficamos vendo O Rei Leão, porque um dos pacientes havia pedido.


SanatoriumOnde as histórias ganham vida. Descobre agora