3 - Mais do que oculta.

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LAUREN POV

"Não se luta contra o destino; o melhor é deixar que nos pegue pelos cabelos e nos arraste até onde queira alçar-nos ou despenhar-nos."

- Machado De Assis


23 de dezembro.

- Acho que esse é grande demais pra mim, Tay.

Comentei com minha irmã no segundo em que colocamos os pés no que deveria ser o nono apartamento que visitávamos em duas horas. Ela já estava de saco cheio, eu mais ainda e o corretor nem se fala. A questão é que eu precisava de um espaço nem tão grande, nem tão pequeno. Era difícil achar alguma coisa no Rio de Janeiro que não fosse de extremos, essa cidade não tinha nada de mediano. Dei alguns passos em direção à varanda e suspirei ao ver a praia de Copacabana cheia. "Não é o mesmo bairro dos seus pais, mas nada que uma caminhada não resolva", pensei comigo mesma e sorri, alisando o corrimão da varanda. O celular de Taylor começou sua sinfonia insuportável e decidi dar uma volta pelo apartamento para ver se era um bom espaço pra uma mulher e um cachorro de pequeno porte.

O ambiente era bom, muito bom, para dizer a verdade. A sala ampla me daria o privilégio de colocar um piano, quem sabe. Eu só precisava comprá-lo, mas o problema é que eu não sabia se queria. Fiquei vagando pela varanda enquanto Taylor falava ao telefone e, quando ela terminou, veio de encontro a mim com um sorriso amarelo no rosto.

- Era Camila.

Ela disse sem que eu tivesse perguntado. A menção do nome daquela menina me deixava um pouco incomodada. Eu não sabia dizer o motivo, mas Camila me deixava bastante desconfortável. Não que ela fosse impertinente, ela não era, mas tinha algo comigo, dentro de mim. Todas as vezes que ela aparecia, sendo com sua personalidade animadinha ou com caras e bocas, Camila deixava o ar um pouco diferente; mais vivo e interessante.

- Ah sim! – abri um sorriso sem dentes para a minha irmã, enfiando minhas mãos nos bolsos traseiros do jeans que eu usava. – O que ela queria com você a essa hora?

- Laur, já são duas da tarde. – Tay rolou os olhos e eu soltei uma risada. – Quer ir ao cinema ver um filme que lançou há pouco tempo.

- Entendo. – dei de ombros e voltei a olhar a paisagem, me sentindo confortável com o lugar . – Tay, falando na sua melhor amiga... Precisa me dizer do que ela gosta, me falar um pouco sobre ela. Quero ter uma noção do que comprar.

Como se eu já não me sentisse desconfortável o bastante com Camila, ainda a havia tirado no amigo oculto que minha família resolveu fazer de última hora. Acho que não tinha como as coisas se tornarem mais estranhas. Taylor cruzou os braços embaixo dos seios, me olhando com olhos estreitos. Sua expressão era de quem pensava em algo, me fazendo trocar o peso de uma perna para outra porque eu sabia que levaria bons minutos.

- Bem, Mila gosta de coisas simples, não é chegada em luxo, por mais que leve uma vida rica. – Taylor ia dizendo com interesse enquanto gesticulava como uma professora. – Ama livros, MPB, é fissurada em Elis Regina e Chico Buarque, são os ídolos dela. É filha de Oxum... Hm, mais o quê... Ah, e coleciona disco de vinil. De qualquer cantor, ela apenas coleciona vinil. Eu acho isso meio estranho, mas Mila é estranha, então tanto faz.

Tay deu de ombros e eu abri um sorriso involuntário. Quer dizer então que a menina gostava de discos de vinil? Eu havia gostado daquilo, e ficado com uma curiosidade maior em outra questão.

- Oxum é...? – Perguntei com as sobrancelhas erguidas, um pouco envergonhada por não saber.

- Oxum é um Orixá do Candomblé, que é a religião da Camila. – Tay me explicou enquanto se aproximava, parando ao meu lado e se apoiando na grade da varanda. - É um pouco complicado para te explicar, você teria que sentar e estudar sobre, mas esse é o básico. Dentro da religião, que como você sabe, é de origem Africana, se é chamado de filhos de santo, entende? E Camila é filha d'Oxum.

Águas de MarçoWhere stories live. Discover now