04. Monstro

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A primeira decepção da noite foi o vestido longo cor creme que minha mãe exibiu ao descer as escadas de casa. Francamente, ela era uma mulher tão poderosa e bem-sucedida, qual o motivo de se restringir a cores tão sem graça? Existia vida para além do branco, creme e cinza de sua paleta de cores.

A segunda decepção, entretanto, incomodou um pouco mais: meus pais me deram o tratamento de gelo.

— Olha, pai, é aquele cara que arruinou a palestra da mamãe — falei, em mais uma tentativa de engajar em uma conversa com eles.

Dessa vez deu certo, pois ele riu.

De fato, foi um episódio cômico. A esposa do homem invadiu a palestra e arrastou a secretária dele, vulgo amante, pelos cabelos, isso no meio da apresentação da minha mãe. Um verdadeiro circo. Naquele dia, meu pai e eu quase estatelamos de tanto rir.

— Sua mãe ficou tão furiosa que demitiu ele lá mesmo, no microfone — lembrou ele, escondendo a risada atrás da taça de champanhe.

— E quando ele apareceu no estacionamento e se ajoelhou pedindo o emprego de volta? — Coloquei a minha taça de água tônica perto da boca também, rindo baixo.

— Claro, ele sabia que o divórcio iria lhe custar os rins — ele virou o rosto para o lado, pois não estava conseguindo segurar o riso.

Minha mãe, sentada ao seu lado na mesa, lhe deu uma cotovelada discretamente.

— Para com isso, Ricardo. Não tem graça. A apresentação era importante. — Seu rosto estava duro. — E por que está dando corda para Jaqueline? Esqueceu da bizarrice que ela fez na escola?

Ele ficou sério imediatamente.

— Não tente amenizar as coisas conosco Jaqueline, você não vai se safar do castigo — disse ele, me lançando um olhar repreensivo.

Meu sorriso murchou. Eu não estava tentando amenizar nada, estava tentando interagir com eles.

Foi nesse momento que o maior puxa-saco dos meus pais chegou, trazendo um sorriso de orelha a orelha.

— Com licença, é nessa mesa que estão sentados os empresários que estamparão a Forbes este ano?

O fato de eu ser contra as cores neutras que minha mãe usava, não me tornava apoiadora de ternos vermelhos. Quem aquele cabeça de ovo achava que era? O Coringa? Pois só lhe faltava uma peruca verde para completar o visual de palhaço.

Ao se sentar em nossa mesa, ele monopolizou a atenção dos meus pais pelo resto da noite. Estava tão focado em bajular os dois que mal reparou meus olhares assassinos em sua direção. Bom, meus pais repararam e, sob a mesa, minha mãe bateu a perna na minha algumas vezes, lançando-me olhares repreensivos.

— Olha se não são os maiores empresários de todos os tempos! — Outro cabeça de lima se aproximou.

— Por que todos eles são carecas? — murmurei e minha mãe me deu uma cotovelada, ficando de pé para cumprimentar o cabeça lustrada.

Meu pai olhou para mim de relance. Ele odiava quando eu falava da careca dos amiguinhos dele. Parece que calvície era um tópico sensível para os homens.

Aproveitando que todos estavam de pé, distraídos com a troca de bajulação, agarrei o frasco de pimenta e pinguei na taça do Coringa. Foi bem aí, no meio da execução do crime, que ele propôs um brinde ao sucesso dos meus pais.

Recolhi o frasco depressa; a próxima gota, que estava prestes a mergulhar no champanhe, caiu sobre a tolha branca, deixando a cena ainda mais dramática.

Os quatro estavam olhando para mim: o Coringa com cara de espantado, o outro careca com as sobrancelhas franzidas, minha mãe com a boca entreaberta, meu pai com os olhos arregalados.

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