30. Vício

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Ian

Os olhos azuis parados na frente do meu rosto estavam me irritando. Arregalados e bizarros. O cabelo extremamente loiro a deixava com cara de noiva de Chucky.

— Olha, Ian, olha, os olhos da minha boneca parecem os de Jaqueline — Isabella balançava a boneca na minha cara. — Não parecem?

— Não — empurrei a boneca de volta.

— Eu acho que sim — insistiu ela, animada. — Jaqueline tem os olhos tão bonitos, né?

— Quem, filha? — meu pai perguntou do outro lado da mesa, ao terminar de escutar algo que minha mãe falava sobre taxa de juros Selic.

Ela andava obcecada em assuntos de Economia recentemente. Quando inventava uma coisa nova, só o meu pai para aguentar mesmo.

— A namorada de Ian — soltou Isabella língua de trapo.

— Tá namorando, Ian? — indagou minha mãe. — Bella, o que eu disse sobre nada de brinquedos à mesa do jantar? — ela estendeu a mão sobre a mesa.

— Desculpe, mamãe — Isa entregou a boneca e minha mãe se levantou para ir depositar o brinquedo no balcão. — Eu só queria mostrar pra Ian que a minha boneca tem os olhos iguais os da namorada dele.

— Quando vamos conhecer sua namorada? — perguntou meu pai, aproveitando que a esposa não estava por perto para transferir os brócolis de seu prato para o dela.

Isabella riu e ele pediu segredo, com um dedo na frente da boca.

Minha mãe obrigava meu pai a comer tudo que é coisa verde. Obrigava todos nós, na verdade. Mas ele era o único que detestava.

— Bom, se ela tem os olhos da Paty, deve ser muito bonita — comentou ela, voltando para a mesa. Paty era o nome da boneca.

— Ela disse que o meu nome é bonito, papai — continuou a fofoqueira, num tom de voz cheio de empolgação. — Eu contei que você que escolheu.

— A namorada de Ian tem toda razão — ele piscou para Isa.

— Traga sua namorada pra gente conhecer, Ian — sugeriu minha mãe, encarando o próprio prato com expressão de confusão.

— Ela não é minha namorada — resmunguei de mau humor e enchi a boca com o brócolis para não ter que falar mais nada.

— Tá tímido, filho? — ela simplesmente não conseguia disfarçar o tom debochado.

— Não precisa ficar, nós vamos ser gentis com ela — assegurou meu pai, acenando a cabeça com uma expressão séria. Teatralmente séria.

Os dois estavam se divertindo com a minha cara. Normalmente eu entraria na onda deles, mas dessa vez não estava gostando da conversa.

Isabella, ao meu lado, espetava os legumes com o garfo e colocava na boca tranquilamente, como se não tivesse provocado tudo isso, a peste.

— O dia que Ian assumir um relacionamento eu raspo a minha cabeça — zombou ele.

Minha mãe apontou o dedo para ele em cumplicidade e exclamou empolgada:

— Eu também!

Isabella riu com vontade.

— Vocês não têm nada mais interessante para conversar do que a minha vida amorosa, não? — retruquei de cara fechada.

— Não — disseram juntos.

Ao fim do jantar, meus pais ficaram na sala com Isa conversando animadamente sobre o dia dela — um dos exercícios da terapeuta —, enquanto eu colocava os pratos na lava-louças.

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