4. Expulsos do Supermercado

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Acontece que o supermercado estava lotado três vezes mais do que minha mãe supôs. Aparentemente, era aniversário dele e, como tudo estava numa promoção absurda, todos os habitantes da Terra resolveram fazer compras nele no mesmo instante que nossa família.

Já na entrada, foi difícil entrar com o carrinho e Pai quase teve a ''incrível'' ideia de passá-lo por cima das pessoas para pegarmos do outro lado, mas, graças a Deus e ao garoto estranho que estava na minha frente, conseguimos entrar de forma convencional.

Assim que passamos pela entrada e os caixas, assentimos uns para os outros e procuramos pela placa que condizia com as seções da nossa função. Encontrei ''Material de Higiene'' no terceiro corredor e a preguiça de ir até lá deu lugar a adrenalina e confusão de se estar no meio de tantas pessoas.

Eu devia pegar dez sabonetes, quatro pastas de dente, quatro desodorantes, fio dental, enxaguante bucal, shampoo, condicionador, cotonete e papel higiênico. Quando estou quase chegando à seção, ouço a voz estridente da minha mãe gritando:

- Não esquece os absorventes da Eduarda!

E todo o mercado ouviu. Pelo menos, metade não prestou atenção e ninguém nos conhece. Se conhecesse, eu teria vergonha por Eduarda. Mesmo que não haja um real motivo para isso, eu teria.

Minha mãe continua seu caminho, correndo para a fila da carne, enquanto chego ao corredor. Sinto-me totalmente perdido, porque 1) há muitas pessoas em todos os cantos, 2) muita claridade nessa seção, 3) tem muitas coisas, 4) eu não sei lidar quando me sinto perdido, pois 4.1) fico confuso, 4.2) travo, e 4.3) não consigo pensar em como me ''achar'', apenas em como estou perdido e quero uma solução.

Enquanto fico no meu dilema de como sair do lugar e encontrar as coisas da minha lista, uma senhora com um lenço na cabeça, pele escura e com pintinhas, chama uma garotinha de cabelo Black-power para perto dela. Ela fala alguma coisa sobre não conseguir se abaixar porque ''o médico disse que não era nada e passou dorflex'', mas, por sua expressão, não parecia não ser nada.

A garotinha pega praticamente uma bacia de sabonetes para a senhora e sai correndo. No meu ombro, dois mini-Cíceros sobrevoam, um com asinhas e o outro, com um tridente. O com asas diz para que eu ofereça ajuda; o outro me manda pegar minhas coisas e dar o fora daquele lugar lotado.

Eu ouço o mini-Cícero do mal.

Não é que eu não seja uma boa pessoa, mas é que estou agoniado. E ainda não consegui pegar minhas coisas, e se eu não o fizer, eu posso morrer pelas mãos de minha progenitora. Eu não gostaria disso.

Dez minutos depois...

- A senhora quer ajuda?

Eu não deveria. Eu deveria.

Não, eu não deveria. E não deveria porque, mais dez minutos depois...

- Mas que raios você está fazendo aqui, Cícero? - essa foi minha mãe perguntando versus gritando.

Eu posso ver meu pai e minha irmã decidindo se irão doar meus órgãos ou não, já que ainda não assinei documento algum para autorizá-los disso após minha morte. Eduarda diz que não, porque seria muito estranho que alguém tivesse os órgãos de seu irmão gêmeo morto; meu pai diz que sim, pois salvaria vidas. Enquanto isso, minha mãe está na cadeia cumprindo pena por matar seu filho de quinze anos num supermercado após ajudar uma senhora de idade.

Já consigo sentir minha alma e meu espírito sendo levados, quando a voz da minha mãe se sobressai, me fazendo abrir os olhos e encará-la.

- Eu não disse que era para pegar as coisas e ir pra fila?

Cícero Quer Ir à Praia [completo]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora