26. O Trio, as Cinzas e a Praia

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- um mês depois -

O vento balança os cabelos de Zelda de forma que tampe seu rosto. Coloco os braços para fora do carro e sinto meus pêlos se arrepiarem com o frio repentino. No banco da frente, meu melhor amigo tenta achar alguma estação de rádio que seja ao menos decente.

As nuvens no céu se juntam e escurecem, transformando um dia de sol em nublado. Não demorou muito para que Zelda ficasse desesperada por sua jaqueta jeans em minha mochila. Enquanto ela veste a mesma, Gregório, incrivelmente, acha a música perfeita.

- Se ela estivesse aqui, diria que é a melhor rádio do mundo.

- Até começar Capital Inicial.

- Realmente - diz Tarso, enquanto dirige o carro - a opinião sobre Capital Inicial de Tessa não era um segredo para ninguém.

- Ela fazia questão de falar que odiava a banda. - digo, com um sorriso no rosto.

O ar melancólico e cheio de saudade preenche o carro. Aos poucos, Greg aumenta o som e começa a cantarolar junto da música. Tarso encosta o carro no estacionamento e pegamos as mochilas no banco de trás. Ao sairmos dele, Zelda se encolhe e todos fazemos o mesmo. O vento estava mais gelado e a areia vazia, quase úmida.

Tinha tempo que eu não vinha à praia.


O irmão de Tessa nos deixa sozinhos, acende um cigarro e diz que prefere olhar de longe. Não era a vibe dele se despedir das pessoas. Nem a minha, para ser sincero. Enquanto ele solta a fumaça, nós nos afastamos e adentramos a praia juntos. Nós três. E Tessa.

- Eu achei um bilhete. - digo,relembrando -me do papel entre meus cadernos. - Era dela. Ela deixou uma pista e eu não vi antes.

Zelda, apertando a jaqueta contra si, chega mais perto de mim, recordando do dia em que lhe mostrei.

- Era um poema. - responde Gregório e imediatamente nos olhamos, desapontados com nós mesmos. Ele também recebeu a pista e não percebeu. - Ela deixou no bolso do meu casaco... Que minha mãe botou para lavar. Peguei já amassado e tarde demais. Mas acho que não teria percebido, de qualquer forma.

- Tessa sempre foi uma incógnita. Acho que, no final das contas, ela não queria ser compreendida por ninguém.

- A busca era dela. - Zelda completa, colocando as mãos nos bolsos. - Ela tentando se entender, se encontrar. É a busca mais complicada que tem.

- Talvez reconhecermos a nós mesmos não seja algo bom em todo o tempo. - digo, apertando forte do jazido. - Temos falhas demais.

- Todos temos falhas, Cícero. Somos humanos.

- Ela não aguentou as falhas dela, é isso? - Gregório pergunta, parando de caminhar. Ficamos em silêncio. Ninguém sabe o que dizer, ninguém entendeu até hoje o que aconteceu de fato.

Os minutos passam, o mar se agita ao mesmo tempo em que nossa cabeça se transforma em um turbilhão de pensamentos sobre Tessa. Quais seriam os motivos dela?

Eu também teria motivos?

Cada um enfrenta seus fantasmas de um jeito, às vezes achamos que não temos escolha. Tessa tinha, mas não conseguiu enxergar. E ela não é a única, eu tenho certeza. Quantos ao meu redor não conseguem ver suas escolhas?

Às vezes parece que não há uma luz no fim do túnel, não há esperança. Mas sempre tem. O difícil, no entanto, é encontrar algo ou alguém que te faça enxergar isso. Enxergar que há todo um futuro e uma vida pela frente. Uma vida não totalmente sem fantasmas, mas uma vida aprendendo a enfrentá-los.

Cícero Quer Ir à Praia [completo]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora