14. O Megafone

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Não querendo citar, mas já citando, mamãe está uma pilha de nervos.

É hoje. O fatídico dia. Ele mesmo: o festival.

O engraçado é ela estar uma pilha de nervos, já que não tem nada a ver com o festival além de ser mãe de Eduarda. Minha irmã também está histérica, mas é aceitável. Afinal, ela estava não só a frente do grupo de dança que faria a abertura do festival, como também era filha da minha mãe. Isso já é um bom motivo.

Na verdade, todas as mulheres do bairro estão desse jeito, é sempre assim. A maioria dos homens - para ser sincero -não estão nem aí, se tiver bebida e comida, eles vão de bom grado. Pois é. É só um festival sem sentido, mas elas adoram. Eu até gosto da comida. Mas nesse ano tenho um motivo a mais para querer ir.

Não é nada demais, sabe? Mas eu gosto de conversar com Zelda, e nunca a vi dançar. Então... Bem. Ela me mandou uma mensagem logo de manhã e eu comecei a rir, não vendo a hora de começar logo o festival. Nós trocamos número de telefone na terça, depois do ensaio – já estava na hora! -, e não paramos de conversar desde então.

- A câmera! A câmera! - ouço Mãe gritar pela casa.

- A última que usou foi você. - papai diz. - Deve estar na sua mesa.

- Não fui a última a usar, foi você. Não lembra? A confraternização das editoras.

- A confraternização foi em dezembro, estamos em junho. - ele a lembra. - O aniversário da sua prima foi em abril.

- Droga. - ela diz. - Cícero!

Ah, não.

- Cícero, cadê você? - grita da escada. Coloco o fone de ouvido e finjo estar vendo série. Por favor, hoje não. - Cícero!

- Cícero! - vocifera Eduarda, à minha porta.

- O quê??

- Dá pra ajudar a fazer alguma coisa? Por gentileza?

- Por que?

- Porque você não é uma má pessoa?

- Ta.

E eu ajudo, porque realmente não sou má pessoa. E porque se não o fizesse, meu dia seria infernizado não só por minha irmã, mas também por Mãe e Pai. E vovó, se calhasse.

O que aconteceu, no entanto, foi:

- ACHEI! - dei um berro, com uma certa irritação justificada.

- Cícero, não grita comigo. Sou sua mãe, mocinho. - ela fica vermelha, provavelmente cansada de tanto procurar - Onde estava?

- Na sua mesa.

- Não estava, não.

- Estava sim. Aqui, ó. - ela me segue até sua escrivaninha e olha para a gaveta que aponto. - Bem na frente.

Ela parece surpresa. Dá um pigarro e ajeita a roupa, colocando um fio de cabelo castanho atrás da orelha. Dá um leve sorriso, ainda deixando de estar vermelha e voltando ao seu branco natural.

- Obrigada, querido. Não conte ao seu pai.

- O que vou ganhar com isso?

- Ganhar?

- É.

- Vai ganhar uma louça pra lavar, isso sim. - ela junta as sobrancelhas e me dá as costas, levando seu tac tac tac. - Onde já se viu... - sai, resmungando.

Cícero Quer Ir à Praia [completo]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora