Outra coisa que não sai da minha cabeça, é o motivo da minha irmã estar falando alto, e sozinha, no quarto, às dezesseis horas da tarde de uma segunda-feira. Eu sei que todo mundo, em alguma hora da vida, acaba falando sozinho. Eu mesmo já me peguei falando sozinho em algumas vezes, acho que é normal.
Tudo bem, tem gente que fala sozinha na rua e ainda discute com si mesmo (ou com alguém totalmente invisível) e aí sim, isso é estranho. Eu tenho medo às vezes, não sei se devia confessar isso, mas tenho mesmo.
O problema é que os genes de Eduarda estão carregando a loucura hereditária de nossas fêmeas da casa.
E ela está falando bem alto.
- Por que você está gritando? – escancaro a porta do quarto dela.
- Dá pra você bater na porta?
- Ah, claro. Perdão. – me desculpo e fecho a porta, reencenando, retificado, o que acabei de fazer. Bato três vezes na porta antes de abri-la. – Por que você está gritando?
- Por que você está aqui?
- Porque você está gritando. E eu perguntei primeiro. – olho de Eduarda para a câmera que está virada em sua direção, e vice-versa. – Ai, meu Deus, você está se gravando falando sozinha! Você é pirada da cabeça!
- Caraca, Cícero, você é burro pra caramba.
- Olha só! – chego mais perto da câmera e sorrio. – "Oi, eu sou Eduarda. Gosto do de ficar falando sozinha porque sou pirada da cabeça" – faço uma imitação barata de sua voz, gesticulando semelhante a ela.
- Sai daqui! – ela ri, me expulsando. – É pro meu blog. Você está me atrapalhando. – empina o queixo.
- Eu quero assistir, me deixa ficar. Tô com um tédio enorme.
- Só não vai atrapalhar. – ela sussurra.
- Prometo! – me jogo em sua cama e tiro fotos dela falando com a câmera, depois envio para Gregório, que concorda comigo quando digo que minha irmã é completamente pirada.
Ela basicamente fala sobre o último musical que assistiu e como foi incrível, depois comenta sobre alguns filmes e séries. Eu não fazia ideia de que ela conhecia tanto sobre os assuntos, mas não digo nada. Acho que, para ser sincero, não sei de muitas coisas sobre ela. Acontece que Eduarda é muito aberta para o mundo, mas fechada para mim. A culpa não é só dela, eu também não procuro me interessar.
Quando ela está comentando sobre Os Miseráveis, faço um comentário e ela, simplesmente, taca o dinossauro de Toy Story em cima de mim.
- É muito chato, sim! – digo mais uma vez, me recuperando do impacto. – Doeu, ok?
- Cícero, é impossível gravar com você aqui. Sai! – ela olha pra mim, tacando o Woody em minha direção, depois se volta para a câmera, revirando os olhos. – E esse, minha gente, é meu irmão gêmeo.
- Minha irmã é uma pessoa horrível, se eu fosse vocês, iria parar de ver agora. Ela roubou a minha calça!
- Eu vou te bater! – ela ri. Depois de alguns segundos, desliga a câmera. – Vou ter de continuar depois, porque um intruso resolveu me importunar.
- É que eu te amo muito.
Ela revira os olhos.
- O que o traz aqui? - vem deslizando com a cadeira até a cama, pegando o Woody do meu colo e o abraça, fazendo carinho nele como se, daqui a qualquer momento, ele fosse ganhar vida de verdade.
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Cícero Quer Ir à Praia [completo]
Teen FictionCícero tem para si, que o funk ouvido diariamente por sua vizinha do lado foi inspirado na sua vida. Porque, além de tentar sobreviver ao primeiro ano do ensino médio - mais precisamente, à Gangue - e suprir uma paixão por uma amiga, ele precisa lid...