19. O Sumiço

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Se esse era um segredo de Vó Margarete e eu, a briga entre mamãe e Duarda não era um segredo para a vizinhança. Se fosse, seria um grande desastre elas estarem berrando às sete da manhã de uma quinta-feira.

O assunto não podia ser outro: o show que minha irmã resolveu fazer durante o jantar.

Ouço minha mãe brigando que ela devia parar de querer chamar a atenção e que ela não era o centro do universo, diz que essa não era a educação que ela havia dado e que a internet e "todo o mundo digital" distorce como Eduarda vê o mundo.

Minha irmã diz que não pode ser o centro do universo quando a mãe quer ser. Diz que não agüenta mais as ordens sem explicação, as conversas cheias de autoridade, o fato dela não prestar atenção no que importa.

Mãe fica uma fera. Porém, apesar de gritar mais, ela marcha para a cozinha, pega a bolsa e vai embora para o trabalho. Eduarda bufa e pega a mochila, indo embora também, quase me deixando para trás no nosso penúltimo dia de aula antes das férias de Julho.

Depois de chegar atrasado para as provas, só encontrei Gregório quando fomos os últimos a entregar os testes de Geografia e Física. Enquanto saímos da sala, recebo uma mensagem de Zelda e sorrio de orelha à orelha.

- Ela quer me encontrar.

- Ela quem? – pergunta, caminhando ao meu lado. Põe as mãos no bolso do casaco e chuta uma pedra pelo caminho inteiro até a árvore em que geralmente nos encontramos. Tessa não está por aqui e espero que não demore, aparentemente tenho um compromisso.

- Zelda.

- O nome dela é realmente Zelda?

- É. – confirmo e ele começa a rir de gargalhar.

- Engraçado.

- Você está bem? – guardo o celular, depois de responder Zelda e encaro meu melhor amigo. – Não está com seus fones de ouvido... Está chutando uma pedra! Eu nem sabia que você gostava de chutar alguma coisa!

- Eu não gosto de chutar! É só... Você aí, com essa menina.

- O que tem?

- Nada! Só...

- Você está com ciúmes! Não acredito, Gregório.

- Não estou não! Ah, vai se ferrar. A Tessa já deve ter ido embora, vamos. Vai lá encontrar com a Zelda, vai.

- Gregório de Assis com ciúmes do melhor amigo.

- É só fome.

- Ta.

***

Zelda come hambúrguer vegetariano. Não entendo muito bem como funciona isso e nem como ela consegue gostar e chamar isso de hambúrguer, mas não me cabe decidir seus gostos ou não.

- É delicioso, Cícero. Não tem noção!

- Nem quero ter.

- Você tem certeza que não quer provar um pedacinho? Eu divido!

- Certeza absoluta. – digo, tomando meu milkshake e ela sorri, dando mais uma mordida.

Ficamos em silêncio por um tempo, só desfrutando da companhia um do outro. É meio estranho pensar isso de "desfrutar a companhia" de alguém. Apesar disso, a sensação é boa. É confortável. Observo-a comer com seus molhos e sucos e um monte de coisa que não gosto, mas que ela sorri ao pôr na boca.

Do lado de fora da lanchonete que nos encontramos, as pessoas esfregam os braços e procuram por um casaco em suas bolsas. O tempo nublado me lembra Tessa. Gosto de associar o tempo e estações com as pessoas. Se Tessa é o Inverno, Zelda é a Primavera. Eduarda é Verão e Gregório é Outono. Sou Outono, também.

Cícero Quer Ir à Praia [completo]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora