O que fugiu desta vez, por acaso, foi minha balança da consciência. Muito difícil conseguir pensar nesses momentos. Quer dizer, muito difícil para mim. Não sei se devo ficar agradecido - o que estou -, aborrecido ou confuso – que também estou.
Aconteceu mais cedo, no colégio...
- Ela não é gótica, tô falando sério. E também se for, eu nem ligo.
- Tenho certeza que ela tem cinco gatos pretos e veio da Ucrânia, tem velas espalhadas no quarto e frequenta cemitérios. - Tessa disse. Seu cabelo ruivo caiu no rosto e ela soprou três vezes até desistir, usando a mão. Ela estava tão bonita. - Sua série favorita deve ser Salem.
- Na verdade, é Game of Thrones. Eu perguntei.
- Então gostei dela.
Ah, não. Espera, foi um pouco depois disso.
Certo. Aconteceu mais cedo, no colégio... No intervalo.
- Eu amo chocolate, não é possível. - Gregório disse, devorando o croissant de Nutella, enquanto eu me contentava com o que restou da festa e a Mãe jogou na minha mochila. Ou seja, mini sanduíches com patê.
Eu queria um croissant.
Tessa comia uma fatia de pizza bem gordurosa e não estava se importando da hora para comer aquilo.
Estava tentando roubar um pedaço do croissant de Greg, quando Téo, Giulia, Beto e Sandro se aproximaram.
- Olhem só, o novo casalzinho do colégio: o gordo e o filhinho de mamãe. - Sandro falou, me cutucando no ombro. Giulia soltou sua risada irritante e disse:
- Suas bichinhas.
Vocês devem estar pensando "Nossa, eu teria voado no pescoço dele". Pois bem.
Eu não sabia o que fazer. Uma fúria se instalou dentro de mim, mas não consegui reagir de modo algum. Era como se algo me prendesse e fechasse minha garganta para não falar, me sufocando.
E eu queria falar.
Queria falar o quanto eles eram estúpidos e o quanto eu sentia pena deles. Falar que, se fosse mesmo verdade e Gregório e eu fôssemos um casal, não haveria problema algum nisso. Que deixassem meu melhor amigo em paz. E que, mais uma vez, eles eram estúpidos.
Adolescentes têm essa mania idiota de achar que devem ditar o que é o certo. O certo a fazer, se vestir, se comportar. De ditar o que é legal e o que é certo ou errado. Na cabeça deles, implicar com o mais fraco os faz populares. Popularidade. Isso parece ser o foco. Agir diferente, ser malvado, esbanjar. Essas coisas, em suas cabeças, devem ser alguns degraus para a tão sagrada popularidade.
O que é uma mentira. Desde quando fazer o outro sofrer te torna uma pessoa melhor? Na minha cabeça, alguém deve ganhar "fama" por ser um exemplo. Um exemplo bom.
Ser o contrário da Gangue.
Quero dizer isso. Quero mesmo.
Mas nada aconteceu. Nada da minha parte.
Enquanto meu interior tentava retrucar, a mão de Tessa foi mais rápida que todos nós e acertou a cara de Sandro.
Segundos depois Giulia veio para cima de Tessa, com suas garras já afiadas, mas Beto a agarrou antes que minha melhor amiga quebrasse sua cara (porque todos nós tínhamos certeza de que seria isso que iria acontecer).
- Não pense que acabou, Esquisita. - a garota disse e se sacudiu, desvencilhando-se de Beto. - Me solta, idiota!
Enquanto eles se afastavam, Tessa se sentou, voltando tudo ao normal.
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Cícero Quer Ir à Praia [completo]
Teen FictionCícero tem para si, que o funk ouvido diariamente por sua vizinha do lado foi inspirado na sua vida. Porque, além de tentar sobreviver ao primeiro ano do ensino médio - mais precisamente, à Gangue - e suprir uma paixão por uma amiga, ele precisa lid...