8. A Célebre Vizinha

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E continuo não sabendo.

Não, não encontrei a garota. Mas sim, encontrei uma nota de cinco reais no chão e não perguntei de quem era, porque sou uma péssima pessoa.

Não sou tão bonzinho assim, pelo visto. Ora essa, estava no chão da minha sala! Duarda diz que achado não é roubado; minha mãe diz que quem pega é ladrão. Eu digo que apareceu no meu bolso sem eu nem perceber.

O que importa é que não encontrei a garota. Encontrei uma droga (nem tão ruim assim) de nota minúscula no chão, mas não uma pessoa quase impossível de perder.

Por que minha avó precisava sumir justo naquela hora?

Tudo bem, passou. E eu a perdi. E agora, quem está perdendo a cabeça é minha mãe.

Nós moramos numa vizinhança muito diversificada, temos até um casal de vizinhos que vieram do Japão. Uma vez eu perguntei se eles gostavam de Anime, a mulher disse que sua irmã mais nova era apaixonada. O cara tentou me enganar que não, mas tenho certeza que sim, ele gosta (e que o preferido é Death Note).

Nós também temos os vizinhos que viajaram o Brasil todo; ganhei um chaveiro deles de Recife. Ganhei no Natal, quando a Mãe deu uma de louca e achou que seria muito legal convidar vizinhos para a ceia. E, se vocês querem saber: não, não é.

A Dona Josefa tem sete cachorros e cinco gatos, e muito medo de rã.

Tem a família da Tessa que possui uma loja de discos e isso é um máximo.

E tem ela.

Palavras não seriam o suficiente para descrevê-la.

Ela é única, e por isso, darei apenas um nome: Kellen.

E darei mais quatro: Kauã, Kaíque, Kauane e Kayssa.

A célebre vizinha e suas quatro crianças paridas uma atrás da outra com o intuito de tirar não só a minha, mas como também a paz da minha família. Mais precisamente, da minha mãe.

- Eu não aguento mais. - ela diz, com o dedo na têmpora e se debruçando sobre a mesa. - Não dá.

São nove e meia da manhã e isso não impede de Kellen estar na sua quinta música sertaneja no volume 97. Seu repertório é o mesmo de cinco meses atrás, mudando apenas algumas músicas, mas que, de certa forma, eram iguais às anteriores.

Nossas casas não são coladas, mas parece que estamos tão pertos quanto gêmeos univitelinos. Ouço seus gritos daqui, da minha cozinha.

Vovó, Pai, Mãe, Duarda e eu. Nós cinco estamos em silêncio, participando indiretamente da breve discussão por cima do som alto que envolve Kauane e um suposto namorado escondido.

- Acho que isso é culpa do pai. - minha mãe diz, já sentando e colocando seu café, para ficar bem disposta depois de uma festa, como ela diz. - Se ele não vivesse tanto na ru...

- Querida...

-Não Jorge, eu sei que tenho razão. - continua, enquanto meu pai desiste de tentar dizer pra minha mãe não se meter. - Se ele frequentasse um pouco menos o bar, e mais a própria casa, não teria acontecido isso.

- Catarina! - a voz da Vó ecoa pela cozinha, fazendo Duarda quase cuspir o achocolatado. Todos encaramos a velhinha. - Onde está Marcos?

Minha mãe dá um sorriso tão nervoso que a primeira coisa que faço é olhar para minha gêmea.

Eduarda junta as sobrancelhas.

Pai olha confuso para a Vó e depois para a Mãe, mas enquanto todas as mentes trabalham separadamente para entender, vovó Margarete já está em outra Galáxia. Comendo seu pão com requeijão, não deve nem se lembrar do que disse.

A gente não se esqueceu. Mãe finge que sim.

É a segunda vez que vovó fala desse homem, e é a segunda vez que mamãe disfarça.

- Garçom troca o DVD, que essa...

- Tira isso, Kayssa! Que música chata do caramba!

- Ah, vai lá, senhor Sabe Tudo de Música.

- Voz insuportável, eu hein.

- Voz insuportável é a tua, imbecil!

A mesa da cozinha continua em silêncio, esperando o desenrolar da história dos Silva. Minha irmã digita coisas em seu celular, provavelmente planejando uma matéria para seu blog, como uma lista de Piores Músicas, Porém Mais Escutadas, do Ano.

- Isso sim que é música!

-Minha avó ta maluca, minha avó ta maluca! Tanta coisa pra comprar e ela compra uma peruca!

O som é aumentado para o volume 100.

Minha mãe dá um grito disfarçado e se levanta da mesa, fechando as janelas. Eduarda tira os olhos da tela do celular no mesmo instante e um desespero inusitado aparece nela.

- Pelo amor de Deus, mãe, abre essa janela. Ta um forno aqui!

- Você prefere ouvir àquilo? - minha mãe pergunta, apontando para a casa da vizinha e suas quatro pestes. - Porque se prefere, pega sua cadeira e bota lá fora. Não sou obrigada.

- Que saco! - reclama, mas aceita, porque sabe que Mãe está certa.

Quando percebe que venceu, dona Catarina vira outra pessoa e volta sorrindo para a mesa. Sua expressão demonstra que lembrou de algo, ela então levanta mais a sobrancelha direita e seu sorriso fica maior ainda.

- Demos um festão ontem, hein?! - ela se senta e coloca mais suco pra Vó. - O que as meninas disseram, Duda?

- Agora está me chamando de Duda? Que amor é esse?

Nossa mãe revira os olhos. - Sempre te chamei assim.

- Ta.

- Não me responda com "Ta". - ela faz o sinal das aspas com as mãos e uma cara de brava. - Mas e aí?

- Todas elas adoraram. As mães, no caso. As garotas disseram que tinha um gordinho ruivo tentando dançar com todas. - ela me olha, ao falar de Gregório.

A possibilidade da garota do black ter falado algo com Eduarda seria grande? Enquanto minha irmã continua a falar dos comentários da festa, apenas espero pelo momento em que apareça alguma pista sobre a garota.

Quem seria ela? Seu nome?

Tento mandar uma mensagem para Gregório, mas seu celular desligado quer dizer que só deve acordar no meio da tarde.

Resolvo então ligar o computador para ver série, mas assim que tento levantar, minha mãe me puxa pelo braço.

- Nana-nina-não. Hoje é dia de ficar com a família. - ela aponta a cabeça para minha avó. Turno extra.

Então, com a vizinha ouvindo funk no volume máximo, vigio vó Margarete e tento não deixá-la fugir outra vez.


Cícero Quer Ir à Praia [completo]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora