Capítulo 21

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O aperto no peito era tão sufocante quanto o bolo na garganta. Sair do hospital sem a filha dilacerava seu coração de uma forma inimaginável, mas sabia que nada poderia ser feito, pois a permanência de Valentina na UTI neonatal era imprescindível para seu desenvolvimento.

Olhou-se no pequeno espelho e respirou fundo tomando coragem para conversar com Kai e lhe contar a decisão, que tinha tomado na noite passada. Não era nada definitivo, porém, sentia-se mal, mesmo não tendo razões para isso.

Ao fechar a porta do banheiro atrás de si, encontrou Kai sentado na poltrona, enquanto observava o teto do quarto. Ele estava estranhamento quieto e um pouco pálido.

"Tudo bem?" Perguntou ao se sentar na cama hospitalar.

Era impossível não se preocupar com alguém que era importante em sua vida. Só se fosse uma pessoa sem coração para ser indiferente ao que acontecia ao seu redor. Vingança e ódio não faziam parte de sua natureza; na verdade, Bonnie não gostava de infringir dor a quem quer que fosse.

Idiota? Não, apenas madura o suficiente para não se deixar sucumbir por sentimentos negativos, que poderiam levá-la por um caminho sem volta.

"Insônia." Ele a olhou e forçou um sorriso, que não a convenceu em nada. "São alguns problemas em um dos hotéis em Miami. Nada muito grave, porém, preciso viajar por uns dias para resolver as coisas e contratar um novo gerente. Não gostaria de ir agora, Bonnie, mas, infelizmente, Stefan desta vez não poderá resolver a situação." Kai bagunçou os cabelos.

Aquela era a hora certa de contar à ele.

"Não precisa se preocupar com a Valentina, ela está em boas mãos."

"Não estou preocupado apenas com nossa filha, mas com você também." Kai tinha o olhar tão sério quanto a voz.

"Eu sei." Bonnie deu de ombros. "Meus pais me convidaram para passar uns dias na casa deles, enquanto nossa filha não recebe alta."

Kai desviou os olhos dela e passou a encarar o céu nublado pela janela do quarto. O silêncio que se seguiu era quase tão palpável quanto a tensão entre os dois.

"Será bom para o relacionamento de vocês." Falou de repente. "Eles até demoraram a te reivindicar. No lugar deles, eu teria levado minha filha para casa desde o primeiro dia." Kai levantou e foi se sentar ao lado dela. "Só não esqueça de voltar para casa, Bonnie. Você e nossa filha. Aquele apartamento só tem vida por causa de vocês. Ele é de vocês. Tudo o que tenho lhes pertence."

"Kai..."

"Não estou pedindo que esqueça tudo o que te fiz sofrer, quando nem eu mesmo sou capaz disso." Kai segurou a mão dela. "E nem vou aproveitar de um momento de vulnerabilidade para seduzi-la, pois, quando decidir ser minha novamente, será por sua livre e espontânea vontade. Eu amo você, assim como sei que você também sente o mesmo por mim." Colocou a mão dela sobre seu peito, fazendo-a sentir como seu coração batia rápido. Bonnie engoliu em seco. "Passe uns dias com seus pais, aproveite bem, porque quando voltar para nossa casa será definitivamente. Não vou mais deixá-la ir para longe de mim."

"Você sabe que não é tão fácil assim." Ela soltou a mão da dele e ficou de pé, ignorando a leve pontada que sentiu no pé da barriga. "Se fosse ao contrário, se tivesse sido eu a acusá-lo de traição, a expulsá-lo de minha vida? Se tivesse sido eu a deitar com outro homem? Seria capaz de esquecer tão facilmente?"

"Provavelmente não." Kai respondeu sem desviar os olhos dos de Bonnie. Também ficou de pé e tocou o rosto dela. "Eu iria querer matar o cara que te tocou... Não tenho direito nenhum de te pedir nada, Bonnie, mas, sinceramente, espero que me dê a oportunidade de lutar por nós dois, por nossa família..."

Ouviram três batidas na porta, que logo foi aberta.

"Desculpem-nos. Não queríamos atrapalhar." Abby falou constrangida, enquanto Silas tinha um sorriso divertido.

"Não estão atrapalhando." Bonnie afastou-se de Kai.

"Bonnie já contou que passará uns dias conosco?" Abby foi até a filha e lhe deu um beijo na testa.

"Contou, sim." Ele sorriu cansado e olhou para o celular. "Precisarei fazer uma viagem de no máximo uns quatro dias, e fico mais tranquilo sabendo que cuidarão muito bem delas."

"Vá despreocupado. Bonnie e Valentina são nossos tesouros e não as perderemos de vista por nada nesse mundo."

Silas apertou o ombro de Kai em um gesto de camaradagem. Os dois estavam desenvolvendo uma boa relação, afinal, Silas o compreendia melhor que qualquer outro. Sabia o peso de carregar a culpa por ter falhado com as pessoas mais importantes de sua vida, enquanto cometia erros em cima de erros, acreditando ser a vítima da história.

Ele sofreu, todavia, nada comparado ao sofrimento de Abby. Ela não falava muito sobre os anos presa naquele sanatório, preferia esquecer o que passou naquele lugar, mesmo assim, carregava marcas invisíveis aos olhos, que se manifestavam mais durante as madrugadas: nos constantes pesadelos, no medo do escuro, nas raras crises de choro. Eram nesses momentos, que o ódio e a revolta de Silas se tornavam ainda maiores, e somente não fazia um loucura contra Finn, porque apesar de tudo, ele era seu pai. Mas perdoá-lo, jamais conseguiria.

(...)

"Papai morrerá de saudades, princesa." Sussurrou para a bebê, que tinha os olhos azuis fixos nos dele. Apertou levemente a mãozinha macia e sorriu ao vê-la bocejar. "Papai promete que vai reconquistar a confiança da mamãe e seremos uma família muito feliz. Voltarei o mais rápido possível para as duas. Eu te amo muito, princesa Valentina."

Com um aceno de cabeça, despediu-se da enfermeira e saiu da UTI Neonatal. Deu uma última olhada para a filha e seu coração apertou forte, ao ponto de fazê-lo levar a mão na altura do peito. A saudade já era tão grande. Ficar longe de Bonnie e de Valentina era como cortar seu corpo aos poucos, enquanto jogava ácido sobre as feridas.

Tocou o vidro da janela e deu um sorriso cansado, ao observar, sua melhor parte, dormindo tranquilamente.

Ele voltaria e seria para recuperar o amor e a confiança das duas mulheres mais importantes de sua vida.

Kai só não poderia imaginar, que não voltaria tão cedo, pois o destino tinha outros planos para ele.

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