A caminho

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ISABELLE ORSINI

Retornar para a vila de onde havia fugido conseguiu ser mais assustador do que todos os traumas que eu tinha enfrentado em minha vida. Após abraçar Dimitri e chorar em seu ombro, me afastei, por saber que era a única que poderia fazer para não sujá-lo também com o meu pecado. Eu era a pecadora, já que era a única manchada pela podridão. A religião havia me ensinado coisas assim, e não queria que Dimitri me olhasse com compaixão também.

Me afastava cada vez mais dele por egoísmo. Por medo.

Essa era a conclusão que tinha chegado após pensar sobre isso durante as ultimas horas de viagem. Ter Dimitri sentado ao meu lado no carro fazia com que eu ficasse mais confortável e protegida, e mesmo assim não me sentia confortável para contar a verdade a ele. A verdade sobre o meu passado.

Como posso contar que sou manchada? E se ele não for a boa pessoa que imagino?

Tinha muitas duvidas e muitas delas não possuíam respostas. Nenhuma delas, na realidade.

— Está muito calada. Está cansada? – Dimitri perguntou parecendo se importar ao virar em uma curva acentuada. – Sobre a última noite, se quiser conversar posso escutar.

O modo nenhum pouco sutil com que demonstrou interesse em meu estranho comportamento, acabou me fazendo sorrir levemente. Dimitri não parecia ser o tipo de pessoa sutil.

— Estou um pouco cansada e essa roupa é quente – Olhei para o tecido do vestido longo vermelho, característico daquela religião e em seguida olhei para Dimitri, o qual vestia uma blusa branca de algodão com mangas e uma calça igualmente branca folgada. Relembrar a minha infância seria a parte mais dolorosa daquele final de semana, eu sabia disso, mas ainda assim estava seguindo em direção a vila acreditando que ter Dimitri ao meu lado seria suficiente para me proteger. – Isso é patético – Murmurei diante de meus pensamentos. Deveria continuar acreditando apenas em mim, contudo sabia que não seria suficiente. Não naquele lugar.

— Daqui a pouco vamos chegar, e não precisa se preocupar, porque estarei ao seu lado.

Eram apenas palavras, sabia disso, mas ainda assim acabei balançada com palavras que poderiam ser vazias. Dimitri era realmente perigoso para alguém como eu.

— Não deveria falar assim, posso acabar acreditando – Acabei deixando escapar – Quero dizer, que não tem como me proteger de todos na religião mesmo sendo de uma família influente.

— Sou um delegado também – Falou como se realmente isso importasse para aqueles maníacos. Acabei sendo resignada a ficar em silencio, já que discutir com alguém como Dimitri poderia ser cansativo. Ele parecia querer acreditar em suas próprias palavras.

Como um tolo.

Suspirei ao voltar a minha atenção para a janela e sorrir diante da paisagem tão bela que guardava segredos sombrios. A mesma floresta tão bela era a mesma na qual eu havia sofrido os piores momentos da minha vida.

****
SOPHIA CASTILHO

O olhar dos outros policiais assemelha-se a desprezo e a raiva. Sabia que eles desprezavam o meu comportamento impulsivo, mas ainda assim nao tinha motivos para agir friamente. Suspirei assim que olhei para a pilha de documentos em minha mesa. Documentos que eu deveria registrar dos casos dos outros policiais. Minha nova função era semelhante a de uma secretaria.

— Parece que a casa caiu, né? – Gonzalez falou sorrindo largamente ao sentar na beirada da minha mesa. Eu estava louca para bater nele.

— Estou ocupada – Revirei os olhos abrindo a primeira pasta na minha frente – Deveria começar a trabalhar também.

— E quem disse que não estou? O ogro pediu para que eu tomasse conta de tudo nesse final de semana.

— Ele não virá? – Acabei perguntando ansiosa. Fiz uma careta em seguida tentando olhar para o documento da prisão de um traficante e entender o que cada palavra dizia, pois comecei a ficar nervosa ao sentir o olhar de Gonzalez em cima de mim.

— Parece que viajou com a namorada.

Namorada?

Já desconfiava que ele tinha alguém, somente não imaginava que me sentiria dessa forma quando descobrisse. Com o coração apertado e arrependida.

Não é como se eu gostasse dele.

— Não sabia que ele tinha uma namorada – As palavras começavam a sair casualmente da minha boca.

— Ela já veio aqui. É uma ruiva com cara de encrenqueira. Se eu pensar bem eles fazem o par perfeito – Sorriu convencido como estivesse lembrando de alguma situação ou piada. A raiva que eu estava sentindo poderia ser ciúmes? Poderia ser frustração também, eu acho.

— Entendi – Tentei sorrir, mas não consegui. – Vou continuar trabalhando, não me atrapalhe.

— Prometo – Sabia que suas promesas eram tão falsas quanto seus sorrisos – Se chegar um email do legista, imprima e coloque em cima da mesa do ogro.

— É sobre a nova garota morta? – Ele confirmou sério – Acho que essas mortes não vão parar. Uma pessoa que mata três pessoas não tem mais compaixão pelos outros. Alguém assim só consegue enxergar a escuridão.

— Fala como se tivesse experiência.

— Estou apenas falando algo que li – Dei de ombros ao desviar o olhar para o lado oposto da delegacia. Gonzalez não continuou me importando, o que agradeci mentalmente. Precisava respirar ar puro e parar de pensar em Dimitri. 

CONTINUA...

Império [Degustação]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora