Sombrio

60.6K 6.2K 638
                                    


A VITIMA

Dor, medo e fome eram as únicas coisas que eu sentia ao continuar amarrada naquele lugar fechado e fétido. O sorriso cruel da pessoa que me colocou lá continuava a tumultuar meus pesadelos a cada instante que fechava os olhos e ao abri-los sempre os via, sorrindo como se divertisse ao ver meu sofrimento.

Não conseguia mais suportar e se pudesse morrer seria a minha benção.

A cada momento que abria os olhos conseguia ser torturada de uma nova forma. Meus gritos ecoavam pelo lugar assim como meu sangue caia no chão. Sabia que iria morrer naquele lugar, e o que me entristecia era saber que ninguém jamais encontraria o meu corpo. Ninguém saberia quem me matou, pois como uma tola não havia deixado pistas para trás.

— O que acha de brincar hoje? – A sua voz repleta de sarcamos e um sadismo doente forçou-me a encarar – Está querendo se tornar rebelde, eu vejo.

— Só quero ser morta – Pedi após suspirar. Minhas costas ardiam devido aos ferimentos, minhas pernas sangravam dado aos cortes que a pessoa havia afligido. Eu era um poço de sangue e dor.

— Mas ainda quero vê-la viva – Seu raciocínio era deveras sádico. – Gosto de lhe escutar gritar, sabia? É muito especial para mim.

Eu gostaria de ser morta, esse era o meu único desejo.

— Estou aqui tem muito tempo? – Perguntei como sempre fazia. Aquela pergunta caracterizava-se como uma faca de dois gumes. Conseguia recordar da minha antiga vida, antes de ser pega e também possuía uma ideia do tempo em que permanecia presa.

— Já tem quase dois meses – Disse sorrindo. A pessoa se divertia ao me ver daquela forma, assim como um tipo pérfido e doentio. – Podemos acabar com tudo isso. – Olhei para a pessoa com extrema alegria – O que acha?

— Sim, por favor – Implorei com olhos esperançosos. Eu queria morrer – Por favor, me mate.

Vi o seu sorriso se alargar em sua face.

— Sim, vamos acabar com isso, basta fazer tudo o que eu disser – Assenti conformada. Só queria que a dor parasse.

****************************************************************************

ISABELLE ORSINI

Não foi difícil identificar o olhar de desprezo dos homens assim que saímos do carro na vila. A mesma vila que eu havia fugido anos atrás. Já conseguia ver algumas meninas vestindo a roupa branca enquanto mantinha a cabeça baixa, esperando pela salvação doentia que aquela religião pregava.

— Isso está estranho – Murmurei próxima a Dimitri, o qual não parecia abalado diante dos olhares ao andar no meu lado. Ele estava quebrando uma das regras deliberadamente? Nada disse ao diminuir os meus passos para andar atrás dele abaixando a cabeça em seguida. Pretendia sair viva daquela vila.

— O que está fazendo? – Dimitri questionou como se fosse uma criança inocente ao parar e olhar para atrás – Venha – Me chamou para ficar ao lado dele e ao ver que eu hesitava, foi até mim e segurou a minha mão com força – Lembre-se que somos duas ovelhas negras e por isso é nossa obrigação dar um show – Sorriu largamente aparentando estar se divertindo com tudo aquilo. – Fique ao meu lado. Precisamos sair daqui com vida – Falou próximo ao meu ouvido e então percebi que não era a única com receio. Dimitri também sentia medo.

Isso é mais assustador do que reconfortante.

Precisei admitir ao olhar em volta. Nada havia mudado desde a minha fuga. Todas as casas possuíam as mesmas cores, as crianças mantinham suas cabeças baixas, o riso não era algo que podia ser escutado. Meus cabelos ainda se destacavam entre todos.

Cabelos vermelhos que me fizeram sentir vergonha quando estava ali.

— Que Deus esteja convosco – Escutei uma voz masculina atrás de mim, forçando-me a virar para encarar o dono da voz. O homem era menor do que Dimitri, possuía cabelos escuros e uma palidez assustadora. A mulher que estava atrás dele com cabeça baixa era ligeiramente mais alta que ele. – É um prazer tê-la novamente entre nós, Maria L – Falou como se realmente estivesse feliz em me ver. – Fiquei muito contente em saber que o irmão Petrovis a trouxe em segurança.

Sabia que não deveria responder.

Sabia que deveria permanecer calada e abaixar a cabeça, mas não consegui.

— Segurança? Eu estava em perigo? – Perguntei arrependendo-me no segundo seguinte, entretanto a gargalhada de Dimitri fez com que eu sentisse o meu rosto avermelhado.

— Ela é maravilhosa – Dimitri me elogiou, eu acho. – Sabe o meu nome, mas não sei o seu – Disse ao olhar para o homem a nossa frente.

— Sou Rober Petrius – Anunciou orgulhoso.

— Petrius, não conheço a sua família. Presumo que não sejam importantes para a religião. – Dimitri não pareceu querer soar educado e sim totalmente pretensioso. Ele provavelmente desejava intimidar as pessoas com a sua origem – Veja bem, sou de uma das quatro famílias e vejo a minha mulher sendo abordada por um ninguém, isso é bastante frustrante, sabia? Fico com vontade de esmurrar a sua cara repetidamente – Seu rosto tornou-se bestial ao encarar Rober – Posso fazer isso e ninguém irá me impedir. Quer apanhar até sentir seus ossos doerem e a cada respiração desejar estar morto?

— N... Não – Negou assustado – Sinto muito.

— Sim, deve sentir – Sorriu de forma sombria antes de tocar em minhas costas e seguir em direção a uma das casas. – Vamos para a casa que dizem ser minha – Senti que ele não se sentia confortável ali ou era isso que desejei interpretar. Caminhamos a casa com numero zero. Quando criança já tinha visto algumas casas com essa numeração, mas nunca tive curiosidade para descobrir os donos. Agora sabia. Casas com numeração zero deveriam pertencer as quatro famílias. Dimitri abriu a porta, a qual estava destrancada e logo fomos atingidos por um cheiro de flores. Na pequena sala de estar havia inúmeros arranjos florais. – Eles gostam de aparecer – Resmungou ao olhar em volta como se estivesse procurando algo.

— Algo errado? – Perguntei ligeiramente curiosa.

— Apenas tendo certeza que estamos sozinhos – Continuou a olhar todos os cômodos, enquanto permaneci parada olhando os arranjos. Todos eram bonitos, mas ainda assim não transmitiam nenhuma emoção. Não sentia felicidade em vê-los. – Estamos sozinhos – Declarou finalmente ao parar em minha frente – Mas temos um problema. Só há um quarto e eles devem estar nos vigiando.

Sabia onde ele pretendia chegar.

— Está dizendo para dormirmos no mesmo quarto? – Ele assentiu parecendo incomodado ou sem jeito. – Tudo bem, sem problemas – Menti tentando não soar amedrontada ou assustada. Não confiava em ninguém, sentia medo de todos os homens e ainda assim precisaria dividir um quarto com ele.

Desviei o olhar ao perceber que ele me encarava fixamente, observando cada pequena reação que eu demonstrava.

— Em algum momento precisará desabafar sobre isso.

—Isso o que? – Perguntei calma.

— O que fez ter tanto medo. – Assim que ele terminou de falar soube que ele realmente sabia sobre mim ou desconfiava.

— Acho que está enganado, delegado – Sorri ao seguir em direção a uma das portas. Precisava me afastar dele. Precisava parar de tremer para poder fingir naquele final de semana.

CONTINUA...

Império [Degustação]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora