Capítulo 1

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Luzia nunca tinha visto um homem antes. Desde que nasceu, convivia apenas com outras mulheres e só ouvia falar deles como seres inferiores, que realizam as tarefas do corpo, enquanto elas, as da mente. Agora, desde que viu o primeiro há um dia, não o tirava da cabeça. Seus olhos negros e intensos permaneciam em sua mente e lhe faziam companhia a todo momento. Quem era aquele ser?

Tudo aconteceu na tarde anterior, quando Luzia buscava algo novo para fazer. Após ter voltado de uma viagem à China, a menina estava mais uma vez entediada. Durante aquela manhã, tentou pintar, tentou escrever, tentou ler... Mas nada lhe satisfazia. Já estava enjoada das mesmas atividades. Queria alguma coisa nova. Alguma coisa que lhe despertasse emoções desconhecidas.

Saiu de seu quarto irritada, e se deparou com uma das colegas com quem dividia o apartplug. Minerva era a sua melhor amiga. Se conheceram na Casa de Amadurecimento, quando tinham 15 anos. E ao fazer 18, saíram para viver suas vidas junto ao resto da sociedade. Porém, nenhuma delas conhecia outra pessoa do lado de fora com quem pudessem morar, e os apartplugs só eram entregues a duas pessoas. Foi assim que passaram a morar juntas.

— Onde você vai? Aconteceu alguma coisa? — perguntou Minerva, olhando a colega com atenção.

Luzia estava irritada. Seus cabelos azuis, pouco abaixo do queixo, estavam desgrenhados, como se a garota tivesse lhes puxado diversas vezes. Os olhos amarelos lhe encaravam com fúria:

— Não aguento mais! Estou cansada disso e do resto. Preciso fazer alguma coisa diferente, antes que eu morra de tédio.

— E o que você tem em mente? — A mulher tinha cabelos longos e volumosos, na cor rosa. Seus olhos eram roxos e observavam Luzia com divertimento.

— Não sei. Mas não é aqui trancada, que vou descobrir. — A menina bufou e saiu batendo a porta.

Gostava muito de Minerva, mas às vezes ela lhe irritava. Pra Minerva, tudo sempre estava perfeito. Ela ficava em casa com suas namoradas, bebendo, transando, ou então, saía com elas para alguma festa. E a vida dela se resumia apenas a isso. Enquanto Luzia usava sua existência para as artes em geral, a amiga apenas vivia para as amantes. Desde que trouxera as duas garotas para morar com elas, mudou muito. Não dava mais atenção nenhuma pra Luzia e se trancava no quarto por horas com as outras duas.

Luzia seguiu andando a pé pela cidade. Observou os edifícios ao seu redor e o quanto eles haviam se expandido desde que voltou da China. Alguns blocos foram adicionados ao prédio que ela morava. Sinal de que tinha vizinhas novas. O edifício de escritórios ali perto, com suas paredes de vidro, também fora aumentado um andar para cima.

Caminhando a pé pelas ruas perfeitamente pavimentadas e limpas de sua cidade, Luzia prosseguiu analisando o horizonte e o corredor de prédios que a cercava. Todos com muitas cores, com seus blocos de apartplugs coloridos dando vida à sua sociedade. Alguns, as construções comerciais, possuíam luzes de LED piscantes que chamavam a atenção para si, buscando clientes.

A menina dos cabelos azuis gostou do outdoor de um café à sua frente, e resolveu parar para visitar o estabelecimento. Porém, ao entrar teve uma crise existencial ao poder escolher o que e o quanto quisesse para comer. Eram tantas opções, tantas variedades que Luzia não se decidia sozinha. Já havia provado e gostado de todos. Poderia comer mais uma vez qualquer uma das opções e na quantidade que desejasse. Isso era assustador. Por fim, pediu para que a moça dona do café lhe desse qualquer uma das tortas e qualquer um dos cafés e seguiu para uma mesa posta na calçada.

A Liberdade que LimitaOù les histoires vivent. Découvrez maintenant