Capítulo 2:

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Já quase anoitecia quando ela se aproximou do portão que dividia os dois mundos. Não tinha certeza se poderia estar indo até aquele local, mas a sensação de fazer algo contra a lei e a liberdade a impelia a avançar cada vez mais. Não havia guardas, não havia restrições. Apenas uma cerca e um pequeno portão que não estava trancado.

Luzia adentrou o portão temerosa e olhou ao redor, não havia nada além de uma estrada de chão batido à sua frente e arbustos e gramíneas ao seu redor. Como nada lhe parecia perigoso, avançou pela estrada, seguindo em direção ao enorme pavilhão cinza. Era um edifício feito de concreto aparente, madeira e metal. Com a estrutura à mostra, a garota logo identificou que se tratava de uma indústria. Se aproximando ainda mais, notou a movimentação de pessoas. Não eram pessoas com as quais estava acostumada a conviver. Eram os temíveis homens.

Durante toda a vida, imaginou que fossem seres horripilantes, pequenos e bem diferentes delas. Mas ao contrário do que se acreditava, eram ambos, homens e mulheres, muito semelhantes. Os seres do sexo masculino apenas eram mais altos e possuíam mais músculos, porém em outras características eram iguais. Os mesmos cabelos coloridos, os mesmos olhos de nuances diferentes, a mesma textura lisa da pele, as mesmas tonalidades.

Eles se vestiam de modo diferente, obviamente. Enquanto Luzia usava uma jaqueta de couro azul-marinho por cima da blusa vermelha e da calça amarela, os operários em sua frente vestiam todos um macacão cinza idêntico. Estavam do lado de fora da indústria, em grupos de seis ou sete pessoas, fazendo algo que, devido à distância, Luzia não pôde ver o que era.

Impelida pela curiosidade, e querendo conhecer mais detalhes daqueles seres até então desconhecidos, foi se aproximando sorrateiramente deles. Havia alguns arbustos e árvores ao seu redor, e Luzia buscava abrigo neles para se manter oculta e ainda assim ter uma visão melhor.

Estava chegando à distância que gostaria quando, por descuido, pisou em um pedaço de metal jogado ao chão. O objeto fez um barulho ao erguer-se e bater no chão novamente. O som não foi alto, mas bastou para tirar um dos homens de sua concentração e fazê-lo virar-se em direção a ela. Os olhos negros dele a encararam por alguns segundos. Era como se Luzia fosse um ser tão desconhecido para ele, quanto ele era para ela.

Amedrontada pelo ser de olhos escuros, cabelos azuis e pele morena que continuava a olhar, Luzia fugiu correndo, temendo o que pudesse lhe acontecer. Não se importou mais se alguém lhe notaria em sua fuga desesperada. Só precisava correr e voltar para a segurança da sociedade livre. Lá nada lhe aconteceria. Ficaria salva. O ser inferior dos olhos negros jamais lhe encontraria. O ser jamais lhe faria mal. Homens jamais poderiam invadir seu mundo.

* *

Naquela noite, Luzia teve um pesadelo com um par de olhos negros. Acordou assustada e não pôde mais dormir. Mesmo distante, o ser a atormentava. Foi erro seu ir atrás dos seres inferiores. Se ficavam distantes delas havia um motivo. Eram perigosos e aterrorizantes. E deviam manter-se longe.

Buscando aliviar o tormento que aquela escolha lhe gerava, Luzia pegou sua tela e seus pincéis, como fazia todos os outros dias. Há tempo, não saía nada que prestasse, em nenhum dos seus ramos artísticos. Todos os resultados finais não lhe satisfaziam. Pareciam sem vida, sem alma e sem emoção. Ela mesma andava apática e indiferente, assim como seus quadros, suas escritas e suas composições. Aquilo que lhe dava prazer antes, agora não passava de nada mais que atividades que fazia apenas para que as horas passassem mais rápido. Depois de anos e anos pintando, lendo, escrevendo, passeando e viajando, não ansiava por mais nada. Apenas por uma nova perspectiva de vida.

A Liberdade que LimitaWhere stories live. Discover now