Surpresa!

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Nós íamos calados dentro do carro enquanto uma música sem graça tocava. Eu olhava para fora, percebendo as coisas passarem depressa e a paisagem se modificando à medida que íamos nos distanciando da onde eu morava. Do nada, papai começou a puxar assunto:
- Como você cresceu, Samanta!
Eu me virei para ele com um sorrisinho no rosto. Aquele papo de gente saudosa não combinava muito com ele.
- Você acha, Ricardo?
O sorriso dele se findou depressa e eu sabia o motivo. Fiz de propósito mesmo, só pra saber a reação dele:
- Prefiro que me chame de pai, está bem?
Eu dei de ombros e concordei, um pouco debochada:
- Está bem, papai!
Ele tentou conter-se mas acabou sorrindo do meu tom sarcástico ao falar a última palavra. Acabei sorrindo também, envolvida com a gargalhada dele e disse:
- Você não precisa querer ser um bom pai agora por conta da sua ausência. Não tenho nenhum remorso por você ter nos deixado, pois sei que vocês eram muito novos quando tiveram que cuidar de mim. Achei mais do que justo querer viver sua vida. Em breve, darei essa oportunidade para a mamãe.
Ele pareceu mais relaxado ao ouvir aquilo. Fiquei feliz em vê que estava menos mecânico. Com isso, começou a me falar, com os olhos na estrada.

- Que bom saber que você é bem madura. Coisa que não fui muito quando tinha a sua idade. Mas saiba que apesar de ter ficado tanto tempo longe, eu sempre pensava muito em você. Não via a hora de te vê novamente.
Eu sorri, observando-o enquanto dirigia e às vezes, ele virava para me olhar. 

- Mas me conte o que você tem feito. O que planeja para essas férias?


Senti uma emoção tão forte só de pensar no que poderíamos fazer: - Ah, pai! Pensei em tanta coisa... Poderíamos ir à praia, assistir filmes juntos, poderia fazer seu almoço... Planejei tantas coisas, já que seremos só nós dois.
Ele então tossiu, o que foi muito estranho. Preocupada, virei para ele, começando a passar a mão em suas costas. Ele preferiu parar o carro no acostamento e me vi preocupada com aquilo. Então, recompondo-se, virou-se para mim e começou:

- Sam, lá em casa não seremos só eu e você.

Uma frustração foi inevitável, pois tudo o que eu havia planejado foi por água à baixo. Tudo o que queria era tê-lo completamente  voltado para mim para compensar esse tempo que ficamos longe um do outro. Queria lembrar o que era ter um pai. Olhando nos seus olhos, quis saber:

- Quem tanto está morando com você?

- Bom, está morando a minha esposa.

- Esposa? - gritei assustada com aquela notícia. Me senti traída ao saber daquilo naquele momento. Meu pai havia se casado e eu, como filha, não fiquei sabendo? - Quer dizer que você se casou e eu não soube?

Ele fez uma cara de tristeza que deu até pena, mas eu estava realmente chateada. Parecia que estava faiscando ódio. 

- Desculpa, Sam! Mas eu não estava aqui quando me casei com ela. Foi tudo muito simples e rápido. Ninguém da família foi e quase ninguém ficou sabendo... Mas tenho certeza que você vai gostar dela.

Não queria nem mais ouvir aquilo. Ainda tinha uma certa esperança dele voltar com minha mãe. Mas pelo visto, minhas chances foram derrubadas, assim como essas férias. Sem esquecer que não queria disputar a atenção dele com alguma mulher. Que porra! Não acredito que isso está acontecendo. Cruzei meus braços e encostei minhas costas no banco do carro, parecendo uma criança mimada.

Ele tentou segurar minha mão, mas a tirei depressa, esbravejando:

- Caramba, Ricardo! Eu planejei tanta coisa para fazermos juntos e você me vem agora dizer que se casou. Se eu soubesse disso, teria ficado em casa. 

- Calma, filha! Você não vai se arrepender. Vai ser divertido, pois os filhos dela estão conosco.

Filhos? Eu ouvi bem? Não estou acreditando nisso.

- Só pode está de brincadeira, não é? Quero voltar para casa. 

A partir de agora, chamarei meu pai de Ricardo. Estou tão chateada que a palavra pai só poderia ser mencionada em um contexto agradável. Ele respirou fundo e resolveu pôr o carro de volta na estrada, enquanto eu nem me movia no banco. Agora teria pivetes ao meu redor. Que saco!

- Calma, Samanta. Já disse que você vai gostar. Será a melhor férias da sua vida.

Revirei os olhos e  me mantive calada por toda a viagem. Nada estava dando certo. Era muita novidade para um dia só. Peguei o celular, na intenção de ligar para minha mãe, mas estava sem sinal. Eu estava sozinha... No meu íntimo mais oculto, queria morrer.

IRMÃO DO MEU PAIOnde histórias criam vida. Descubra agora