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MAYA

   Acordo, mas não quero abrir os olhos. Só quero ele. Tanto, tanto. Quero o seu sorriso na minha frente. Quero os olhos em mim. Ignoro as frustrações de estar assim com alguém que não existe. Não tenho tempo para delirar com tudo o que surge. Por mais tola que seja, estou no paraíso apenas com a ideia dele.

   Estou feliz. Mesmo sabendo que isso é impossível, ainda o desejo. Tudo que existe na minha cabeça somos nós dois. Meu coração está tão palpitante que da lua deve se ouvir suas batidas quase rasgando a caixa torácica. Ele me tem. E mesmo se não estivesse roubando cada parte de mim rapidamente, eu o entregaria por puro prazer.

   Pisco algumas vezes, tentando fazer os olhos se adaptarem à escuridão de meu quarto. Esqueço a tentativa quando ele se encontra de frente para mim, deitado na cama, com a franja a cair sobre a fronha. Um arrepio percorre a minha espinha. Um sonho em outro sonho. Minha madrugada de emoção parece não terminar. A feição quase tão admirada quanto a que possuo aparece, mas logo se assusta. Seu olhar está em mim e causa estragos desastrosos.

- Se estou sonhando, não quero acordar.- Abraço o travesseiro para segurar o impulso de, ao invés disso, abraçá-lo.

- Acho que isso não é um sonho.- Consigo ouvir sua voz acalantar até meus olhos pesarem e apagar.

(***)

   Nas primeiras piscadas, meu dia está pintado com cores de um sentimento insondável. Cada segundo passando devagar com as lembranças de cenas de outro mundo. Me sento zonza na cama. A cabeça se apoia na cabeceira e, aos poucos, a solidão me abraça.

   Minha felicidade se esvair, só as lembranças que não. Apenas os flashes tem o poder de disparar meu coração. Só Deus sabe como eu queria que tudo fosse real.

MINGYU

Meus olhos se abrem e encontram a cama vazia. Sento rapidamente, não sabendo ao certo o que acabou de acontecer. Não sei de mais nada. Ponho os pés no chão e sinto frio. As batidas de algo me chamam a atenção. Um cheiro forte de café toma conta do lugar, mas ainda assim perde para o de canela. Ela passa pelo quarto com uma xícara em mãos e o pijama folgado. O turbilhão aumenta em meu peito, me fazendo recordar de memórias que nem pareciam ser reais.

"Seu coração está acelerado."

Ponho a mão sobre o lugar que emite batucadas mais rápidas quando sua silhueta fica desenhada em minhas retinas. Lembro das imagens cada vez mais claras. Eu tive um sonho. Ou estive em um de Maya. Fito minhas mãos trêmulas. Seu toque, seu olhar. Fico boquiaberto no local. Um redemoinho de dúvidas, curiosidades, perguntas abrangentes na minha cabeça. Sinto o corpo latejando por inteiro. Como se tudo dentro de mim estivesse mudando.

Sigo Maya pelo lugar, mas paro quando vejo um vulto. Ela parece não notar outra presença no lugar. Meu rosto se torce em uma careta confusa quando a coisa cria forma. Uma pessoa. Essa pessoa está olhando pra mim. Me dou conta de que não é nenhuma conhecida da dona do lugar.

- Está me vendo?- Vem em minha direção animada e dou passos conturbados para trás.- Até que enfim!

- Q-Quem é você?- Consigo dizer depois de minutos de delírio.- O que é você?

- Quem sou? Pode me considerar sua substituta. O que sou? O mesmo que você. Somos conhecidos como anjos da guarda. Mas acho meio antiquado, então prefiro "protetores".- Coça o cabelo desinteressada da minha feição que, sem duvidas, é de puro espanto e responde as perguntas como se estivesse ensaiando por muito tempo.- Pelo menos o que você era até alguns dias atrás. Não tem noção do quanto esperei por esse dia. Há muitos anos fui preparada para tomar seu lugar.- Tagarela sem parar enquanto desabo.

- Não estou entendendo.- As palavras saem sem força alguma de meus lábios, como um sopro. Minha cabeça dói.

- Ah, isso não é problema algum. Temos algum tempo para poder te explicar.- Se abaixa de frente para mim.

A garota de cabelos ruivos não nota o quão desnorteado estou, e mesmo se o fizesse, não acho que ligaria muito. Seus olhos grandes e verdes me observam e desvio, me sentindo enjoado quando a única pessoa que almejo atenção passa por nós.

- Desculpe se estou sendo insensível.- Se escora na parede ao meu lado e nós dois olhamos para Maya.- Não sei muito bem como é.

- O que?- Pergunto já suspeitando de sua resposta.

- Amar alguém.- Estremeço.- Na verdade, não faço ideia de como é. Quer dizer, estive presente e vi isso crescendo entre vocês. Mas não entendo.

- Esteve?- Mesmo com varias duvidas que posso tirar, simplesmente insisto na que me menos me interessa.

- Quando o protetor tem chances de se apaixonar pelo protegido, outro é escolhido para tomar seu lugar.- Sua cabeça se apoia na parede e faz uma pausa, tentando me dar um tempo para digerir, mas seu ato é em vão.

- Por que só agora estou te vendo?- Me sinto vitrificado. Como se a qualquer momento fosse ser estilhaçado e largado.

- Porque só agora se decidiu.

- Me decidi?- Franzo o cenho sem conseguir fazer muita força.

- Até nós temos o livre arbítrio. Houve um tempo que era diferente. Em que não precisávamos fazer escolhas, até porque só tínhamos uma alternativa.- Fito o chão.

- Mas eu não escolhi.

- Ela te fez escolher. De uma forma que já disse não entender.- Indica com a cabeça a garota sentada na varanda.- Nós não controlamos. Só acontece. E a sua decisão deu os primeiros sinais no nascimento dela.- Não adianta mais lutar ou fingir desentendimento. Eu a amo. Mesmo não sabendo ao certo o que é amar.

- Como você parece saber inúmeras coisas enquanto eu não sei de nada?

- Não posso falar muito sobre, mas não vejo problema já que irá se esquecer. Assim como esqueceu a sua própria história quando colocou os olhos nela.

- Minha história? E como assim esquecer?- Travo o maxilar brutalmente. Meus olhos ficam marejados enquanto nego com a cabeça com medo da resposta que chegará em meus ouvidos.

- Sim... Esse é o preço da escolha. Uma parte sua já havia sido apagada. Agora que se decidiu, você vai esquecer tudo. Principalmente da Maya.

Desejo com todas os sentidos que me restam estar sozinho. Que ninguém me ouça, porque quero gritar. Que ninguém me veja, porque quero chorar.

- Posso deixar vocês a sós. Mesmo que eu continue aqui, não me verá. Droga, não deveria ter dito isso porque continua a mesma coisa.- Sua voz chega em meus ouvidos depois de muito tempo. Quero responder que seria grato por isso, mas não consigo.

Me pergunto se as coisas voltariam ao normal do nada. Como se tudo fosse um pesadelo. Já que foi possível que eu tivesse um sonho. Mas sinto que não. O único sentido é a presença dela em tudo ao meu redor. Como poderei esquecer as lembranças que tive. Como poderei esquecer o seu jeito de falar. Sua maneira de ser diferente de um jeito tão natural. Tudo que quis foi sua atenção. Notar minha presença. Eu não escolhi ser um humano. Não escolhi ter essa coisa que há poucos minutos batia tão vivamente e que agora parece se enfraquecer já que está quase parando. Muito menos escolhi ser mandado para longe de tudo que entendo. O mais triste é pensar que tudo vai ser apagado como a minha própria origem já foi e eu nem ao mesmo pude notar.

    Estou sozinho. Me levanto. Eu preciso estar perto dela a todo momento. Eu já nem aguento mais a ideia dessa solidão e esse tormento.

Sky. {Mingyu} EM MUDANÇADonde viven las historias. Descúbrelo ahora