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Algo parece prestes a explodir. Sem duvidas, meu cérebro. Minha cabeça. Agora sinto que será todo o corpo. Ele passa a latejar mais quando levanto rápido em busca do celular tocando um pouco distante, mas ainda assim perdido dentro do quarto. O dia raiou há pouco tempo. E tenho uma vontade tremenda de tirar a vida de quem está interrompendo minhas tão aguardadas horas de descanso.

   Alcanço o aparelho jogado ao lado da estante, mesmo com dificuldade em abrir os olhos pela claridade cegante vinda da janela. Atendo no último toque sem saber o número na tela.

- Bom dia, poderia falar com Maya Yokshida?- Franzo o cenho tentando reconhecer a voz, mas falho miseravelmente e me jogo na cama.

- Bom dia. É ela quem fala.- Tento soar como uma pessoa calma.

- É da cafeteria Coffee First. Gostaria de lhe parabenizar dando a notícia de que foi contratada.

Salto tão alto que por poucos centímetros, a dor de cabeça aumentaria com uma batida no teto. Os olhos que antes tentavam se acostumar com a luz, agora estão pulando para fora. Tampo minha boca para que nenhum grito inesperado saia e deixe a mulher do outro lado surda.

- Ainda está aí?

- Oi! Sim!- Respiro fundo.- Desculpe. Estou um tanto que surpresa.- Seus risos chegam em meus ouvidos.

- Nossa chefe prefere que você venha aqui hoje mesmo, se não estiver com compromissos importantes. Ela quer explicar tudo pessoalmente.- Concordo sorridente mesmo que não esteja me vendo.

- Tenho que resolver uma coisa, mas antes de escurecer, aparecerei.

Tudo passa voando pelos meus ouvidos e saem do outro lado. Olho as caixas e penso alegremente que quando voltar, colocarei minhas coisinhas todas em seus devidos lugares, onde permanecerão neles por bastante tempo. Vou tomar o meu banho e ele passa a ser o mais feliz de toda minha vida. Programo tudo em minha mente como uma lista das coisas que farei antes de ir ao café.

Informarei o Sr. Chuck de que a nossa conversa sobre a troca de horário está de pé. Tinha sido bem simpático ao dizer que estaria disposto a me ajudar da maneira possível, e agora que realmente pode, não tenho dúvidas que fará isso. Depois do último dia trabalhando de manhã na galeria. Certamente irei andando sobre nuvens, seguindo até o final de meu arco-íris que terá a porta de um estabelecimento todo decorado em madeira ao invés de um balde de ouro sem graça.

(***)

   Somos dispensados um pouco mais cedo do trabalho. Isso porque uma das exposições acabou mais rápido que o esperado. Pego o ônibus correndo mesmo ainda tendo algumas horas. Me sinto feliz. Realizada. Tão aliviada. Queria compartilhar essa notícia com alguém. Mas não me refiro a senhora cochilando ao meu lado no acento. Queria compartilhar com ele. Eu dormiria para que isso acontecesse. Roubaria o sono de todos ao redor. O dos idosos cansados, dos trabalhadores entediados com o olhar perdido pela janela, e até o dos estudantes que estão em uma semana corrida de provas. Eu prolongaria o trajeto só para contar as novidades. Falar dos meus pensamentos positivos, de coisas boas. Ver seu sorriso se juntar ao meu de um jeito tão aconchegante.

Isso tudo seria em vão. Inútil. Não por ser só um sonho. Mas por não ter nem só os sonhos com ele mais. O que estava me incomodando antes não eram as olheiras. E sim a saudade que tinha dele. Mas quando saciei a insônia. A outra coisa só cresceu mais. Não sonhei. Só dormi. Isso não acontecia há tanto tempo. Tanto que cheguei a esquecer do quão sem sentido eram os sonhos antes. Do quanto era horrível ter pesadelos. E acordar com um sentimento ruim no peito. E eu que nem tive um pesadelo sequer hoje. Ainda acordei com essa dor. Um vazio obscuro.

Mas tudo passa. Isso pelo menos fica em minha mente ao saltar em frente ao parque próximo do meu destino. E se tudo passa, um dia esquecerei esse vício. Já que apareceu em minha vida. E saiu dela sem nem ao menos dizer o motivo.

(***)

Entro no lugar como se fosse meu primeiro emprego. Como se estivesse disposta a causar a melhor das impressões para todos ao redor. Até mesmo nos clientes. Mas não tenho certeza se meu nervosismo deixaria isso acontecer. Uma menina de cabelo preto e ralo me recebe. A franja quase cobrindo os olhos puxados. Seus dentes são pequenos parecendo de uma criança. Sorrio de volta olhando um pouco para baixo devido à sua altura.

- Boa tarde! O que...- Um garoto loiro aparece do outro lado do balcão ao seu lado. O do sorriso perfeito de dar inveja.

- Não é uma cliente, Shizuki.- Ela franze o cenho me observando com a cabeça um pouco caída para o lado.- É a Maya. Maya, certo?- Me pergunta e afirmo rindo da expressão dela que parece de alguém desvendando um mistério.

- Estava tão ansiosa para conhecer você!- Seus olhos somem para um sorriso simpático aparecer.- Sinto que seremos boas amigas.

- Também.- Digo com um pouco de dúvida de que eu consiga fazer alguma amizade.

- Vou chamar a Sra. Sakurai.

Minha nova chefe me mostra o lugar enquanto conversamos sobre como funcionará as coisas. Explica que terei que me adaptar a não só entregar nas mesas ou anotar pedidos, mas também a exercer as funções dos meus companheiros, já que pode haver um imprevisto de faltarem por necessidade. Conversamos também sobre o salário, horário e folgas na semana.

- Vou te apresentar os funcionários que passarão quase todos os dias com você.- Se juntam em nossa frente quando o lugar já está vazio e pronto para ser fechado.- Está é Shizuki. Ela cuida da parte da contabilidade.- É a de mais cedo. Ri pra mim e retribuo ainda me perguntando como consegue ser tão fofa.- Yumi. É a veterana. Sua especialidade é a culinária.- Os cabelos ondulados e castanhos combinam com o rosto de modelo. Sua feição é doce e também sorrimos uma para outra. Deve ser a que me ligou para dar a notícia do emprego.- E esse é o Vernon. Que trabalha na parte das bebidas, mas daria um ótimo k-idol se voltasse para a Coreia.- Rimos todos enquanto ele fica vermelho e sorri sem graça, abaixando o olhar e coçando a nuca.

- É um grande prazer conhecer todos vocês.- Faço uma reverência demorada. Eles repetem.- Espero que possamos nos dar muito bem.

Um clima mais agradável que o de antes aparece. Sou atraída pela loja de conveniência perto do parque. Compro alguns doces. E com a barra de Kit Kat já aberta me sento no banco de sempre. Vejo o sol indo embora. Assim como os pais de mãos dadas com seus filhos cabisbaixos pelo fim da diversão.

Os mínimos detalhes da paisagem me deixa encantada. Enquanto pessoas passam com os olhares perdidos em seus aparelhos. Ou andando tão rapidamente que não são capazes de enxergar a magia ao redor. Elas criam uma imagem de mundo velho e decadente. Quando nem mesmo sabem enxergar a beleza. A verdadeira beleza. A maioria não sabe nem admirar. Muito menos a beleza mais extraordinária. A que é diferente e que eles transformam em erro por compararem com o padrão "perfeito" que criaram. Pequenas coisas julgadas como estranhas são magníficas. Me sinto abençoada por ver isso em tudo e em todos.

Meu olhar longe para sobre alguém de calça jeans e camisa listrada. Sem duvidas, não o reconheceria se não estivesse usando meu óculos. Vernon. Abraça uma menina que parece bastante com ele. Pensaria que é até mesmo sua irmã gêmea, se não fosse nitidamente mais jovem. Os dois se distanciam e somem até que tudo que eu consigo ver é o horizonte.

Seria bom ter uma irmã. Até mesmo um irmão. Não igual às minhas meias irmãs por parte de pai. E sim do tipo que tem uma amizade. Aquele tipo de amizade tão forte que você sente que se não fossem do mesmo sangue, iria desejar isso.

Acho que seria bom ter ao menos um amigo. Uma amiga.

Meus pensamentos aleatórios me cansam e vou para casa com uma vontade enorme de dormir e agradeço por não precisar tomar outro chá para isso.

Sky. {Mingyu} EM MUDANÇAWhere stories live. Discover now