ONE

17.5K 2.1K 1.1K
                                    

Meu corpo mal conseguia manter-se de pé. As pernas trêmulas não apenas pela colisão, mas também devido à tamanha exaustão, pareciam crucificar toda a trajetória que seguíamos. Folhagens curtas recheavam o solo amarronzado que sujava os meus coturnos bem lustrados. Um fio de suor, proveniente do calor diante do caminhar insistente, produzido pelo processo de calefação, uma gotícula de água enunciado com um som queimado que acabara de transformar-se em gás, se mostrava em minha testa avermelhada.
   Era quase impossível não sufocar diante da dor latente que regressava à minha cabeça ao me lembrar de papai rodeado pelas criaturas ensanguentadas.
   Levei as mãos encardidas pelo toque nas árvores até as orelhas para, talvez, bloquear o estalar inquietante da minha mandíbula, não por medo, mas pela raiva que se acumulava dentro de mim. Meus joelhos encontraram a superfície macia pela pouca, porém existente, grama. Sentia que deveria apenas desistir e esperar o ceifar me levar, assim como fizera com todos.

Devo continuar?

— Jungkook. — O contato úmido das mãos de Taehyung se apoiando sobre meus ombros me fazia querer continuar. Meu irmão estava sendo forte e eu não deveria decepcioná-lo. — Precisa ter mais cuidado. — Esboçou um sorriso mesmo diante de uma situação como aquela.
   Meu irmão sempre fora otimista como a mamãe, o que me fez passar a admirá-lo desde pequeno.

— Desculpe. — Apoiei-me em seu braço para me levantar. — A dor ainda é incômoda e não posso negar, estou exausto.

— Não se preocupe. — Olhou-me fixamente. — Há um pequeno vilarejo perto daqui. A pouco mais de trezentos metros. — Correu os olhos antes de abraçar meu corpo para que pudéssemos manter uma velocidade considerável.

Como ele saberia de algo assim?

Taehyung, apesar de ser o mais velho, mesmo que por pouco, não costumava sair de casa, sequer gostava de lugares semelhantes a estes. Manteve-se na mesma rotina durante anos, mudando-a apenas para acrescentar a faculdade de TI e, para manter os sonhos de mamãe sempre vivos, as aulas de ilustração. Meu irmão sempre fora bom com pinturas, assim como nossa mãe. Ao contrário de mim, que havia herdado o lado atlético de nosso pai.

Para minha surpresa, logo visualizei as cercas em grades quadriculadas que circuncidavam um agrupamento de residências com características coloniais.
   Meu irmão estava certo.
Percorremos lado a lado com o gradeado. Atravessamos a única passagem existente, fruto de um carro em alta velocidade que havia derrubado o portão. A ruela não era extensa, podíamos enxergar seu fim. Era estreitamente constituída por paralelepípedos acinzentados, alguns marcados por lodo, algo comum em locais úmidos.
   Taehyung fez um shh colocando o dedo indicador sobre a boca, os fios de ponta rosa caíam sobre seus olhos. Um morto-vivo caminhava pela rua, cambaleando de um lado ao outro. Meu irmão indicou para darmos a volta por trás da primeira casa, a fim de não atrair a atenção dos monstros.
   Andamos, silenciosamente, até a residência mais próxima. A varanda dos fundos tinha tons tão escuros quanto as pilastras de madeira. Taehyung me ajudou a pular a vegetação que separava os terrenos. Com os coturnos sujando o assoalho, sentei-me na cadeira de balanço presa ao teto. Ainda que fosse reconfortante encontrar algo acolchoado onde me sentar, minha preocupação era notória.

— Espere aqui — sussurrou, e um sorriso escapou entre os lábios secos.

A porta entreaberta refletia um fio fraco de luz. Meu irmão a abriu lentamente, adentrando no local.
   Eu observava atentamente o gramado à minha frente, desejando não encontrar rastros de mortos. Ainda que quisesse fazer algo para ajudar meu irmão, a exaustão me remoía. Sentia que, durante aquele período, eu exerceria o papel de “pessoa que atrapalha”. E, assim, estaria literalmente vivenciando um personagem que detestava em qualquer filme de ação.
   Taehyung retornou depois de alguns instantes.

Alvorecer Mortal  »  JK + JMOnde as histórias ganham vida. Descobre agora