TWENTY THREE

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— Você precisa abrir os olhos. — A frase ecoou como um murmurar tênue e seco, tão próximo aos meus ouvidos que senti o suspiro frio tocar-me inconsequente, movido pela vontade de abraçar-me.
Estreitei os olhos, rolando-os para todos os possíveis pontos em busca da mulher que dedilhava meus fios, causando o mais profundo arrepiar. Seus dedos arrastavam por toda região da nuca e mesmo que não a visse propriamente, sua presença se modificava em uma mescla quente e imane cada vez mais próxima.

— Jungkook. — Era possível sentir o calor de suas orbes me perseguindo por todas as partes, porém não conseguia ter certeza se a moça realmente existira ou aquela situação fora um novo turbilhão de emoções emboladas a um labirinto sem fim.

— Jungkook! — A voz de Jimin uniu-se às mãos pequenas e cansadas que me chacoalhavam.

Quando me dei conta da dor colossal imposta, como se uma orquestra mal ritmada batucasse dentro de minha cabeça e continuasse se propagando de maneira impiedosa até não sobrar uma sequer parte de meu corpo sem ouvi-la, levantei os olhos, encontrando o loiro com um semblante indescritível, apoiado no banco do carona ao meu lado.

— O que aconteceu? — indaguei, percebendo que estávamos apenas Jimin e eu no veículo.

Engoli em seco, enquanto um sufocar melancólico e tardio me aflorou sensações estranhas ao evidenciar o veículo parado próximo às vegetações amareladas, quase atravessando uma das árvores. Por Deus, o que está acontecendo comigo?

— Não se lembra mesmo? — O loiro pousou a mão sobre minha testa e semicerrou as sobrancelhas. — Nós quase batemos contra um amontoado de árvores quando você tentou desviar de uma horda que se materializou de repente em uma das ruelas transversais.

Desculpe-me, o pedido me remoeu e se entalou na garganta, sequer conseguia compreender a situação, afinal, como o faria? Era como se meu corpo tivesse se desligado e eu não mais conseguisse controlar.

— Está bem para dirigir? — Jonghyun brotou, encostando na janela, e me olhou preocupado. Não, essa era a resposta correta, mas precisava ser forte.

— Confie em mim, Jonghyun — disse, observando-o concordar, seguido por um tombar com a cabeça.

O rapaz fizera um sinal positivo e, consequentemente, todos regressaram aos seus respectivos assentos, tanto no veículo que eu dirigia, quanto no estacionado atrás de nós. Ele me fitou, como se desejasse incontrolavelmente compreender aquele apagão, assim como eu.

Girei a chave novamente, modificando a calmaria da brisa pouco aquecida pelos raios longínquos, por um ronco engasgado do carro já com seus últimos litros de gasolina.

Atrás de nós e por longos metros, os mortos perambulavam pelas calçadas e pelos terrenos baldios. Definitivamente, se existisse hora do rush no inferno, não chegaria a um terço do que é vivenciar a morte e ela não estar nem perto do desfalecer completo, regressando ao que deveria ser seus últimos momentos na terra. Era estranho observar e rememorar coisas que jamais conseguiria distinguir entre real e imaginário, porque todos os últimos acontecimentos antes existiam apenas nos filmes. Por entre o vão aberto das janelas, os gemidos similares a uma sinfonia asquerosa e fúnebre causavam-me sensações cada vez mais estranhas, como se pudesse compreender suas dores ou até mesmo os gemidos.

— A cidade está completamente perdida — Taehyung disse, fitando os desalmados caminharem lado a lado com as árvores, competindo para ver quem era o mais lento.

Alvorecer Mortal  »  JK + JMOnde as histórias ganham vida. Descobre agora