TWENTY SIX

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Aqueles dentes amarelos batendo uns contra os outros eram similares a tambores pequenos que os jovens usavam, uns alegres, outros forçando um sorriso falso para melhorar sua pontuação em desfiles cívicos, adquirindo-os como um curso extracurricular. O odor mofado e tempestuoso a pouco venceu o ar puro junto à melodia das mandíbulas que proferiram os grunhidos ferozes da morte. Os desalmados, um homem velho e magricela feito o Eustácio do desenho animado Coragem, o Cão Covarde e, ao seu lado, a adolescente que parecia ter vindo diretamente do filme As patricinhas de Beverly Hills com o cabelo loiro, vestimentas de grife e joias que permaneciam grudadas em sua derme defeituosamente elástica devido à degradação, estiveram a ponto de derrubar os indivíduos que os impediam de aproximar-se de mim.

— Acalmem-se, anjinhos — um deles disse, macabro e frio. — O jantar será servido em breve. — Acariciou a mulher que se agitou ainda mais.

Levantei o corpo e escorei na cama de colchão inútil o suficiente para que conseguisse sentir o metal que a sustentava. A respiração violenta, feito as brisas invernosas que seguiam assolando grande parte da minha cidade natal, recaiu.

— Boa sorte, garoto — o outro homem finalmente proferiu algo. — Precisará. — Soltou os desalmados da coleira metálica.

Caminharam lento feito a tartaruga que desacreditou que poderia ganhar da lebre. A corda que apertava meu tornozelo direito deixava o espaço ainda mais escasso. Um único quadrado me delimitou para que sequer conseguisse ter a chance, mesmo que inexistente, de salvar-me daquele merda de situação. O ser humano é um lixo, reverberei possesso enquanto calculava minuciosamente meus próximos movimentos. O magricela se afastou quando desferi um chute certeiro em seu peito que o fez bater contra a parede e parte de suas tripas dançarem harmoniosamente sobre o branco insuportavelmente enjoativo. Em compensação, a jovem me buscou com as garras repulsivas frisando as unhas podres e contagiosas. Esta fisgou-me o único braço livre, pronta para abocanhar a carne macia do músculo volumoso. Para minha sorte, o outro já estava se juntando a ela.

Pense, Jeon Jungkook.

Um surto de adrenalina corrompeu-me. Os olhos queimaram intensamente, e ao mesmo tempo suave, as veias saltaram-se e o sangue ferveu feito o óleo de cozinha saltitando contra a frigideira aquecida. Rolei os olhos e, atrás da cama, havia um espelho, possivelmente um daqueles utilizados para monitorar um experimento vinte e quatro horas. O crânio da mulher foi jogado para trás, quase quebrando-se, quando dei um soco com toda a força que poderia.
  Joguei-me em cima da cama e passei para o outro lado. Lembrei-me das situações onde os mortos continuavam uma perseguição sempre em linha reta, mesmo que isso significasse empacar no primeiro obstáculo. Empurrei, impulsionando meus pulsos, a cama metálica contra o corpo apodrecido do homem e o pressionando forte contra a parede. A rigidez com que atropelei o cadáver fez com que o mesmo se dividisse em duas partes e o esguicho acinzentado manchasse novamente o branco monótono.
   Do outro lado, a mulher ainda se debatia. Não hesitei em pisar com os pés desnudos no crânio, provocando um ecoar alto e enfadonho. Rasguei um pedaço do tecido que revestia o colchão e enrolei na mão para assim quebrar o vidro que estilhaçou. Estiquei-me a ponto de sentir um aperto irreal nos pés devido à maldita corda que fazia com que eu arrastasse a cama junto a mim durante os três passos até o espelho.
   Com um golpe certeiro, o caco perfurou a cabeça do homem, finalizando-o.

Desabei, exausto.

Respirei profundamente. Cada puxada similar a uma eternidade afundava-me no mar da dualidade asquerosa entre a adrenalina e o desespero, à medida que me arrastava até os demais fragmentos de vidro e cortava o objeto que ainda aprisionava meu tornozelo.
  A plateia que estava do outro lado do vidro pareceu gostar do entretenimento, ao salientar que a porta que me impedia de prosseguir enfim abriu-se potencializando o ódio refletido em meus olhos que vibravam. Embora banhado pela massa encefálica e resto mortais, encontrava-me de certo modo revigorado, como se os últimos momentos não passassem de férias em um resort relaxante.
  Caminhei, com os pés tocando a gosma pegajosa, até a porta. As dúvidas acionaram em meus pensamentos no instante em que constatei não ter vida naquele corredor infernal estreito e extenso.
   A princípio não me dei conta de que as salas eram separadas apenas por vidros finos similares a aquários gigantes e, dentro deles, macas como as que estive deitado por toda minha vida e mesas com frascos e mais frascos com líquidos de colorações distintas. Entretanto, não fora a situação que me trouxe mais dúvidas, mas o fato de que há pouco havia visto um lugar estruturado da mesma forma enquanto fugia com os garotos.

Alvorecer Mortal  »  JK + JMOnde as histórias ganham vida. Descobre agora