ELEVEN

7.4K 997 507
                                    

O pneu zunia a cada curva, emitindo o odor maquiavélico de borracha queimada pelas rodovias principais. Por mais que quisesse acelerar desesperadamente, mantinha velocidade constante de quarenta quilômetros por hora, diante do aglomerado mal estacionado por longos metros adiante. No horizonte, novas nuvens escondiam o cintilar pontuado a dedos no céu. Manobramos cinco ou seis vezes para evitar os seres desalmados que caminhavam perpetuamente sobre o asfalto lavado pelo mesmo gotejar intenso que viera nas noites anteriores à medida que os destroços inundaram a autovia. Embora a lentidão angustiante se fizesse presente, conseguimos avançar.
    Na maior parte dos cinco quilômetros presos naquele labirinto de carros, minha mente oscilava como patins chocando-se contra o gelo e erguendo-se no ar.

Poderia ter feito mais. Agarrei firme o volante. Deveria ter planejado algo suficiente para durar mais tempo. E então, a culpa abraçou-me, instalando-se na mais profunda camada de minha alma como uma Miíase que, ao invés de meu corpo, alimentava-se de meus pensamentos, tornando-se cruel a cada segundo. Eu poderia ter me saído melhor.

Ajeitei a postura, atentando-me às margens da interestadual. Buscava qualquer coisa que fizesse cessar tais angústias culposas que pulsavam nas veias saltadas em minha testa. Entretanto, durante aqueles malditos cinco quilômetros, nem os cadáveres desalmados, refletidos nos faróis altos, permitiam-me quebrar aquela sensação.
   Na entrada para o centro de T-Lewis Beach esmaguei dois seres que se arrastavam sem sentir falta da outra metade de seus corpos. Vultos do outro lado da rua, na parte de dentro das cercas da prefeitura se empanturravam com alguma coisa, humana ou não, que morrera recentemente. Era impossível identificar, naquelas circunstâncias, seja lá o que aquilo fora um dia,  já que havia se tornado apenas pedaços de carnes desconfiguradas.
  No entanto, fora apenas aquilo durante todo o trajeto.

Pelo retrovisor, observei Jin próximo graças à velocidade constante por parte de ambos. Se fôssemos rápidos, acidentes poderiam ser ocasionados pelo asfalto escorregadio e, pensando pior, possivelmente bateríamos contra os destroços espalhados pela cidade, mais devagar, e correríamos o risco de um monstro enganchar no automóvel.


— Como se sente? — Taehyung colocou uma das mãos sobre meus ombros e arrastou seu corpo para frente.

— Bem. — Olhei-o pelo espelho e esbocei um sorriso falso, ainda me culpando pelo colapso anterior. — Não se preocupe, maninho. — Retirei uma das mãos do volante e encontrei a dele. — Volte a dormir com Jonghyun.

Taehyung prendeu o riso com o cerrar de lábios e voltou à posição anterior, fixando-se nos fios bagunçados do companheiro que dormia com a cabeça recostada na janela embaçada.

O perímetro da região metropolitana passava por nós como um filme transmitindo a paisagem de um drama em câmera lenta. Uma série de árvores latifoliadas foram interrompidas por eventuais prédios de arquitetura alemã, que sobrepunham uma das maiores universidades locais. Atravessamos ruas tão desertas quanto uma noite fria do inverno mais tenebroso ao passo que observamos lojas correrem do lado de fora, tão escuras que mais pareciam a funerária de minha cidade. Lanchonetes e restaurantes passavam por nós completamente abandonados, como se seus nomes bem reconhecidos: Le’ Viggie, Burger Kings, Bob’s, não tivesse significado absolutamente nada quando a humanidade reinava. Tudo estava vazio, como se os cidadãos da cidade tivessem sido evacuados, e ela tivesse se transformado em um palco de guerra dos jogos violentos que meu irmão odiava: automóveis queimavam, cacos de vidro refletiam-se por todos os lados e corpos amontoavam-se desfalecidos.

— Estamos perto — a voz de Namjoon ecoou pelo walkie-talkie, pela segunda vez ao dia.

— Entendido. — Jimin apertou o botão na parte lateral do aparelho.

Alvorecer Mortal  »  JK + JMOnde as histórias ganham vida. Descobre agora