Capítulo 2

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Seu Zé tava maleixo, andava meio adoentado e eu achei que ia perder aquele dinheiro que emprestei. O montante era bem expressivo e o valor da prestação fez falta nos meses que perdi semente quando a enxurrada lavou a terra recém semeada, duas vacas ficaram doentes e atrasou o pagamento da cooperativa. Dona Loures sua esposa sempre comentava sobre o problema de pressão alta e a teimosia, do véio, para tomar regularmente a medicação de controle, não poderia ter um resultado menos pior. 

Atrasou o pagamento da prestação, tudo bem. Era compromisso deles, sim. Mas eu ofereci de bom coração que deixassem as prestações mais pra frente, para que eles ficassem sossegados, quando dona Lourdes veio me explicar que naqueles dois meses eles se apertaram com as contas.  

Naqueles dias, Horácio andava visitando seu pai e com isso ficou responsável por levar, cuidar e trazer o homem do hospital e quanto a mim, tive a ajuda dispensada porque o irritadinho soube pelo linguarudo do seu Zé dos conselhos que dei.

Seu Zé que nunca deixava o menino mais novo sair de casa, passou a enviá-lo para acertar o saldos mensais. O jovem chamava-se Ariel, Arielzinho eu preferia porque me lembrava dele criança quando era trazido por seu pai e seguia minha mãe pela horta afora. Aliás, nunca vi uma mulher tão apaixonada por crianças como dona Isabel. Fiquei anos sem ver o piá, mas como ele sempre foi pequeno parecia pra mim sempre o mesmo menininho.

Esse guri é o filho mais novo do véio e por isso é tratado igualzinho a filho único. Seu Zé me disse que é de dar nojo tanta frescura que dona Lourdes faz pelo pequeno. Um dia ele me disse:

— Hoje eu tô bem nervoso. Meu filho Ariel tirou um sete e meio nas aritméticas e álgebra.

— Matemática?

— Ou isso. Mas eu quase dei uns tapas. Agora que ganhou computador pra fazer os trabalhos, não faz mais nada em casa e ainda me vem com essa vergonha de nota. 

— Mas de certo ele tava estudando, seu Zé, os estudos vão ficando mais difíceis a cada ano.    

— Ah, que nada, é essa piazada que não quer nada com a vida. Só querem moleza. Com a bronca que levou, o Ariel melhorou. Me diz se não era por vagabundagem que tava com nota baixa?

  — Nota baixa? Sete e meio não é nota baixa. Engraçado o nome desse filho do senhor, é o nome do sabão em pó, né?

— Largue de fazer anedota com o nome do meu caçula.

— Longe de mim, seu Zé, eu até acho bonito. É que nunca vi um colono chamado Ariel. Agora se ele for pra cidade grande, lá as pessoas se acostumam mais fácil com um nome assim.

— Mas é verdade rapaz, tu tem razão.

— Tá vendo...

Conversa de colono sem assunto. Também falamos sobre o tempo, se ia ou não chover. E outros assuntos "produtivos", tipo:

— Os macacos quebraram fora tudo os brotos do eucalipto que plantei do lado de lá.

— É, é um "praguedo" mesmo... O senhor viu que o Gutão se amasiou? — eu pergunto, sabendo que seu Zé não sabe.

— Mas, de novo? Não cria juízo, esse maricão!

— Não adianta falar com ele.

— É, é um véio de bosta mesmo — ele responde.

— É.  

Quem ouve as conversas deve imaginar que não temos o que fazer na vida. Uns assuntos chatos, que tem dia que melhoram. E tem dia que pioram.

O Centauro e o Caranguejo (Em Pausa)Where stories live. Discover now