01 - No bandolim chorando o fim do nosso amor...

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Personagens:

Eliane Giardini - Clarice Guimarães
Werner Schunemann - Arthur Guimarães
Julia Dalavia - Giovana Guimarães
Herson Capri - Otávio Bragança
Christiane Torloni - Luísa Bragança

*conforme forem aparecendo novos personagens, vou postando pra vocês!

• música do capítulo: Azulejo - Fagner e Zeca Baleiro


1985 - Lisboa, Portugal

*POV: Clarice*

No final de 1983, quando eu estava acabando o "colegial" (assim conhecido o atual ensino médio naquela altura), meu pai, engenheiro e empresário bem sucedido no Rio de Janeiro, concordou com a ideia de minha mãe e decidiram que eu faria o ensino superior em Portugal. O que era de se surpreender naquela época, já que apenas os meninos de pais burgueses iam estudar fora, para que, quando voltassem, pudessem aplicar o conhecimento na empresa dos pais. Naquela época, o Brasil ainda vivia numa ditadura, por mais que em seus últimos suspiros, mas ainda assim, uma ditadura. Isso também influenciou na decisão de meu pai, que era um burguês, porém, com um pensamento à frente de seu tempo e contrário à ditadura, que não via um futuro bom pra mim, sua única filha, num país sem liberdade.

No começo de 84, fui para Lisboa. Meu avô paterno era português, minha mãe morou por algum tempo em Portugal, então não foi muito difícil resolver as burocracias. Meu pai tratou de reformar um pequeno apartamento nas proximidades da Marquês de Pombal - o coração de Lisboa, como dizem os portugueses - que era propriedade de meu tio Afonso, porém, pouco usado por ele, então, o mesmo acabou cedendo o espaço para que eu ficasse lá.

Eu fazia Arquitetura na Universidade Nova de Lisboa, acabei conhecendo várias pessoas, como morava só, me apressei em fazer amizades. Haviam muitos brasileiros em Lisboa naquela época, muitos, pelo mesmo motivo que eu, outros, por "exílios" que sua própria família tinham lhes imposto. Eram filhos de famílias ricas, como eu, mas essas famílias, na maioria das vezes, apoiavam o regime militar no Brasil, e não suportavam ver as gerações mais novas pensar diferente. Então, acabavam os mandando para fora do país. Muitos, já estavam lá há muito tempo, e apesar da poeira no Brasil estar bem menor que quando vieram, preferiram continuar em Portugal. A maioria dos brasileiros eram homens e mais velhos que eu, que só tinha 20 anos quando lá cheguei.

Assim que cheguei na faculdade, conheci Otávio, brasileiro que nem eu, porém paulista, por quem me apaixonei perdidamente. Ele fazia Medicina, tinha 26 anos e me levou pra ver Portugal com outros olhos... mas o que eu vi com outros olhos, além de Portugal, foi ele. Otávio era educado, paciente, cursava Medicina mas eu posso jurar que ele foi poeta em sua vida passada! Escreve como ninguém, canta, é boêmio... me apeguei a ele como a nenhuma outra pessoa em Lisboa. Apesar de ter conhecido seus amigos; ter construído uma grande amizade com Emma, uma francesa, e com Amanda, que também era brasileira, foi Otávio quem esteve pra mim quando nem mesmo eu estava. Passávamos 24h grudados, o que tornava tudo mais intenso. Otávio era o meu amor, porém, o que desgastava à mim e a nossa relação, eram seus ciúmes.

Era uma tarde de sábado, eu e ele andávamos de mãos dadas discutindo nosso relacionamento pelas ruas de Alfama, o bairro mais antigo de Lisboa, com vielas e caminhos encantadores.

*POV: Otávio*

Clarice era uma mulher encantadora, forte, decidida. Cada mínimo detalhe dela me encantava. Eu tinha tanto, mas tanto medo de perdê-la que não conseguia conter a minha insegurança... e não era quanto à ela, e sim, quanto a mim. Havíamos viajado pra alguns outros países da Europa juntos, nos sentíamos livres, porque ali, longe de tudo e todos, poderíamos fazer o que quiséssemos. A não ser quando alguém da família dela vinha à Lisboa, que aconteceu apenas duas vezes desde quando estamos namorando. Mas nunca passavam muito tempo, apenas vinham resolver algo de negócios, segundo ela, e logo iam embora.

Antes que nós ficássemos juntos, Eduardo, um amigo não tão próximo, ficou com ela. Eu tinha muito receio que isso voltasse a acontecer porque Eduardo ainda gosta de Clarice... dá pra ver. Apesar de achar que Clarice nunca me trairia, minha insegurança conseguia ser maior que a minha confiança nela. Eu não queria que fosse assim, mas eu não conseguia conter. Era algo que fugia de meu controle.

Os raios de sol destacavam seus cabelos castanhos encaracolados e seus olhos verdes, o frio de Lisboa não impedia que o sol brilhasse e o céu azul fosse estonteante durante o inverno, quase chegando a primavera. Ao olhar pra Clarice pouco depois de tocar num assunto desnecessário ao momento, eu me dei conta do quão burro eu fui. Eu tenho sorte de ter essa mulher comigo e eu devia me dar conta disso, antes que seja tarde demais. Sentamos em uma mesa de um café que havia na tranquila e elegante rua da Alfama.

C: Você só pode estar brincando, Otávio! - solta um ar de riso - Como assim você está me perguntando se eu fiquei com o Eduardo na festa que fomos no sábado? Você só pode estar louco!
O: Não estou, Clarice.
C: Me fala como eu posso ter ficado com o Dudu se eu passei a festa inteira co-la-da em você, Otávio. Aliás, a festa não, passo todos os dias, 24h por dia colada em você!

Clarice, de primeiro momento, não acreditou no que eu havia falado, mas, quando se deu conta, exaltou-se e começou a gesticular com as mãos, falando num tom de voz mais elevado de forma que os outros conseguiam ouvir mas ainda não muito. O garçom nos ofereceu o menu, eu peguei o meu e Clarice apenas me olhava, incrédula.

O: Essa pergunta faço eu, Clarice. - eu respondi olhando para ela, com o cardápio nas mãos - Obrigada - dispensei o garçom, que ainda esperava que Clarice pegasse o seu menu, porém, saiu com o menu dela nas mãos, ao perceber que ela não pegaria.
C: Sinceramente, Otávio? Chega a ser ridícula essa sua obsessão! Esse seu ciume e orgulho vai acabar com a nossa relação... e quer saber? Não aguento mais ser sempre a que tem paciência!

Clarice levantou da mesa, olhou fixamente nos meus olhos por segundos, como se suplicando uma resposta. Uma resposta que eu fui incapaz de dar. Sou mesmo um fraco! Depois, apenas saiu, pisando fundo naquela viela, como se quisesse afundar a raiva e os paralelepípedos já tão antigos...

A vi subir aquela rua e não me levantei, apenas olhava sem acreditar que aquilo estava acontecendo, não em me levantar dali, fui traído pelo meu próprio orgulho e até hoje eu pago um preço muito caro por isso ter acontecido. Lembro, até hoje, daquele dia com a música "Azulejo", de Fagner e Zeca Baleiro. É como se eu vivesse novamente aquela estagnação, aquela dor...

"Era uma bela, era uma tarde, o casario
Era um cenário de um poema de Gullar
Tão de repente, ela sumiu numa viela
Eu no sobrado e uma sombra
Em seu lugar...

Cada azulejo da cidade ainda recorda
E cada corda onde tanjo a minha dor
No alaúde da saudade, no velho banjo
No bandolim chorando o fim do nosso amor..."

Lembra de mimWhere stories live. Discover now