04 - Lembra de mim

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música do capítulo: lembra de mim - Ivan Lins

*POV: Clarice*

Na segunda, acordei e já eram 10:00 da manhã, minha mãe ligaria às 11:00 do Brasil (14:00 no fuso-horário de Portugal), precisava estar em casa nesse horário, mas, antes, decidi ir buscar minhas coisas na casa de Otávio. Ele morava numa espécie de pensão no Bairro Alto, cheguei lá e encontrei a adorável senhora Guilhermina. Ela era a proprietária do local, sempre muito receptiva!

G: Bom dia, miúda!
C: Bom dia, senhora Guilhermina! O Otávio está no quarto?
G: Ah, filha... ele saiu e ainda era cedo. Mas deixou alguns pacotes pra você, só um minuto! - a senhora se abaixou no balcão e buscou os pacotes, era um saco, um pacote pequeno de papel madeira, amarrado com barbante, mais parecia um presente, e uma bolsa que reconheci, era minha. Provavelmente seriam todas as minhas coisas naqueles embrulhos - Aí está!
C: Muito obrigada! Provavelmente estou voltando para o Brasil, gostaria de agradecer à senhora pela ajuda e receptividade sempre que eu e Otávio precisamos.
G: Oh, filha! - ela saiu do balcão e se dirigiu até à mim, me deu um abraço apertado - Mas, você e Otávio não vão se ver antes que você vá? Porque não o espera? Vamos, eu abro o quarto pra você. - ela já ia pegando na minha mão para me dirigir até o quarto, mas eu soltei minha mão da dela
C: Dona Guilhermina, estou imensamente grata, mas é melhor não. No sábado, eu e Otávio discutimos... é melhor assim.
G: Não me diga! O que aconteceu? Claro, só se você quiser comentar sobre isso...
C: Me sinto mais confortável sem comentar, mas acho que não existe mais nada entre nós mesmo. - falei, com lágrimas nos olhos enquanto as mãos da senhora acariciavam minha bochecha, depois disso, ela me abraçou mais uma vez e acolheu minha cabeça em seu colo
G: Não diga isso, vai passar... mas vai ser feito o melhor pros dois.
C: Já não há mais problemas, meu pai adoeceu e eu preciso voltar pro Brasil, cuidar da empresa com mamãe. Ela vai me ligar hoje pra confirmar a minha ida, mas tenho quase certeza que precisarei voltar... Preciso ir! Ela vai me ligar e preciso estar em casa quando isso acontecer. Mais uma vez, muito obrigada.
G: Eu quem agradeço, filha. Espero que tudo se resolva! Se você realmente precisa voltar pro Brasil, dou-lhe um até breve. Volte a me visitar quando vieres à Lisboa! Se não, espero que seja o melhor a ser feito. Tenho certeza que ainda volto a lhe ver com Otávio por aqui.
C: Muito obrigada, mais uma vez. Não vou esquecer da senhora!
G: Um beijo, filha. Se cuide. Que Deus te acompanhe por onde você for!

Saí da modesta pensão com meus pacotes, contive a vontade de abrí-los e esperei chegar em casa para fazer isto.

Otávio era paulista e eu, carioca, ele planejava voltar pro Brasil no mês seguinte. Não queria lhe procurar por toda Lisboa, então esperei com esperança que ele viesse em minha procura e mudasse o rumo da minha vida... Se eu fosse pro Brasil sem o vê-lo, eu nunca mais o veria, a não ser que o destino nos colocasse juntos de novo. Mas eu não tinha endereço, telefone, nada, nenhuma informação de sua vida no Brasil. Apenas sabia o nome de seus pais: Susana e Hebert, e que eram também médicos. Naquele dia tive medo, também, de o procurar, achar e ser outra decepção. Porém, meu coração suplicava para que Otávio me procurasse, para que eu não me perdesse dele, para que eu não fosse pro Brasil sem vê-lo.

Cheguei em casa, joguei meu casaco numa cadeira da sala, coloquei os pacotes em cima da mesa, antes de abrir, segurava os pacote menor querendo saber do que se tratava. Na minha bolsa e no saco, já havia percebido que eram minhas roupas, mas aquele pacote me intrigava. O abri, haviam dois papéis e muitos, muitos filmes fotográficos, os expus à luz e pude perceber que eram fotos das tantas viagens que fizemos juntos. Agarrei as fotos e chorava copiosamente. Vi o papel que estava um pouco amassado, o peguei e abri.

"Sei que se eu te procurar, iremos sofrer mais. E tudo o que eu não quero é ver o seu sofrimento.
Quero que você seja feliz! Tão feliz que esse seu sorriso, que eu acho o mais lindo do mundo, não caiba no seu rosto.
Obrigado por ter sido a melhor coisa que me aconteceu nesses meus 26 anos de vida.
Espero que possamos nos encontrar nessas esquinas da vida. Ainda aqui ou lá no Brasil.
Me desculpe por tudo. Aceito e compreendo nosso afastamento, talvez tenha que ser assim.
Só te peço uma coisa: lembra de mim!

Com todo meu amor e minha paixão,
do seu médico que quer ser poeta.
Pro meu bem mais lindo."

Meu bem mais lindo... era assim que Otávio me chamava quando estávamos brigados e ele queria fazer as pazes. Não sei se é o aplicável para essa vez. Nessa altura, eu já chorava como um bebê com cólica. Otávio escrevia muito bem, cantava, tocava violão e me recitava poemas que ele mesmo fazia... poderia sim ser poeta, mas o seu verdadeiro fascínio e talento era pela medicina. Eu lhe dizia que se ele fosse poeta, seria um poeta boêmio e ciumento. Apesar de doce, Otávio sempre foi muito possessivo, na verdade, acho que era mais insegurança do que possessão. Era algo que fugia de seu controle e que aconteceu o que eu sempre lhe falava: acabou com nosso relacionamento. Dessa vez, parece que pra sempre.

Beijei inúmeras vezes aquele papel, logo o guardei, não queria que as lágrimas o manchasse. Eu tinha certeza que eu esqueceria Otávio de uma vez. Não agora, não amanhã, nem depois, mas um dia. Ao mesmo tempo que sofria, eu sabia que isso ia passar, coisas e pessoas novas viriam, principalmente se fosse com minha volta ao Brasil. Apesar de não querer voltar, minha família precisava de mim. E também tinha certeza que a maturidade ainda me devia muita coisa, mudanças, caminhos novos, e muita vida pela frente. Talvez Otávio fosse o grande amor de minha vida mesmo, ou talvez a minha dependência por ele em Portugal me fez enxergá-lo dessa forma. Talvez minha imaturidade o colocasse assim. Talvez meu sofrimento agora fosse tão dilacerante quanto os novos amores que eu iria encontrar pela frente. Talvez eu fosse navegar num mar de sofrimento que eu mesma projetei, mas eu não tinha dúvidas que aquilo ia passar, afinal, tudo passa, não é mesmo? Mas, como eu queria vê-lo, olhar seu sorriso ao menos mais uma vez, lhe perguntar como nós ficaríamos, se nos veríamos no Brasil. Mas, preferi aceitar. Impotência minha e dele. Orgulho também. Culpa dividida, creio eu. Porém, também estava decidida que se minha mãe dissesse que eu permaneceria em Lisboa, iria procurar Otávio. Mas, agora, tudo dependia da ligação de dona Ana...

Olho pro relógio, são 13:00. Acredito que minha mãe não vai ligar agora, então, me levanto da mesa e vou até a cozinha preparar alguma coisa pra comer, quando escuto o barulho do telefone. Olhei incrédula para o telefone e em seguida, para o relógio. 13:10. Não é minha mãe. Acreditei que fosse Otávio e corri para atender.

C: Alô?!

Lembra de mimWhere stories live. Discover now