Parte 18

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Roupas humanas eram péssimas. Não gostava do espartilho, o tecido azul claro do vestido pinicava sua pele, e tinha de se concentrar em não se coçar o tempo inteiro. Sequer podia pensar na peruca de cachos castanhos que usava, era incômoda ao extremo. Por que humanos não podem ter cabelo azul? se lamentava. Era terrível, mas, para sua infelicidade, precisava daqueles trajes. E da camada incrivelmente grossa e quente de maquiagem que cobria seu rosto.

Na cidade de Udalea, qualquer um que não fosse humano chamava atenção, e a última coisa que Ara desejava era ser notada. Suas adagas estavam guardadas na bota alta de couro, as orelhas presas dentro de um pano amarrado em sua cabeça, embaixo da peruca, escondidas. Tentava caminhar como uma aristocrata despreocupada e não como uma guerreira, mas não sabia como uma viúva rica de um barão costumava andar.

Era quem deveria ser, Ghrèin havia lhe entregado a roupa e papéis com o nome Caterina Izabel de Montealto, a viúva do Barão de mesmo sobrenome. Era uma identidade inventada, poderia escolher como fora a morte do marido e o que mais quisesse sobre seu passado, mas não ocupou-se com isso. Seu plano não envolvia conversar com ninguém, se um guarda a questionasse teria os papéis, era o suficiente. Achava estranho que humanos precisassem de um documento com seus nomes para provar quem eram, elfos simplesmente diziam seus nomes e os outros acreditavam. Homens, pelo visto, não eram tão fáceis de enganar. Ou talvez fosse o contrário, eram tão facilmente manipulados que precisavam de papéis, algo físico, para ter certeza da identidade de alguém. De fato, é mais fácil mentir para um humano do que para um elfo, Ara pensou.

Udalea era uma vila de mercadores humanos, que tinham como principal produto o ferro vindo da mina nas proximidades. Havia um muro em pedra protegendo os mais ricos, com pouco mais de dois metros de altura, trinta centímetros de largura, e um punhado de guardas na vigília. Era mais simbólico do que qualquer coisa, mandava uma mensagem clara para aqueles que viviam nos arredores do centro murado de Udalea: não deveriam se misturar com os humanos, donos do ferro.

Os mineradores eram, em sua grande maioria, globins. Ara tinha se impressionado com tal descoberta, nunca havia imaginado que um grupo tão grande de goblins conseguiria viver tão pacificamente, ao lado dos humanos, como trabalhadores formais e sem criar confusão. Fazia mais de uma década que aquelas minas eram escavadas por eles. Recebiam peças de prata pelo seu trabalho, compravam sua comida, moravam em seus casebres enfiados na colina ao redor da cidade. Eram relativamente civilizados. Fazia todo o sentido para Ara, sabia que goblins adoravam cavernas, uma mina parecia o melhor local de trabalho para eles. Realizavam a tarefa que outros seres consideravam árdua demais por condições que, em realidade, agradavam aos goblins, e assim poderiam largar uma vida irregular de saques e violência. No entanto, aqueles seres não costumavam ser tão racionais, e era de fato um feito que conseguissem viver em sociedade. A lógica de Udalea se perdia quando se considerava o comportamento padrão de um goblin mas, ainda assim, funcionava.

Sofriam bastante preconceito, era difícil acreditar em uma comunidade de goblins pacífica. Por isso, não entravam na parte rica de Udalea, lá eram olhados com desconfiança, como se fossem ladrões. Não importava que trabalhassem há oito, dez ou doze anos nas minas de ferro. Em realidade, naquela cidade de humanos metidos a besta, qualquer outra raça era vista como intrusa, por isso mesmo Ara havia se disfarçado.

Estava distraída quando ouviu a risada, seguida de uma voz feminina às suas costas:

— Querida, assim você não engana ninguém.

Ara virou-se, temendo encontrar uma guarda da cidade pronta para acusá-la de comportamento suspeito, ou algo assim. No entanto, quem lhe falava era uma humana de baixa estatura, roupas velhas e desbotadas, cabelo desgrenhado e rosto sujo. A mulher continuou:

Livro 1 - A Elfa, O Homem e a Ordem [completo]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora