Parte 20

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A estrada se alongava com aparência infinita à sua frente. Pela primeira vez, Ara seguia o caminho sem pressa de alcançar a floresta. Montava um cavalo negro e viaja sozinha pela estrada principal. Não tinha medo de bandidos, o que levava consigo não era suficiente para chamar a atenção de gananciosos, e confiava em suas armas para afastar qualquer um que tentasse.

Adiava a chegada. As cartas tinham lhe criado um problema, suas suspeitas pareciam se confirmar. Imagens do último ciclo lunar não paravam de surgir em sua mente, sentia aperto no peito. O mago em Udalea era o quarto homem da lista de Zaras, o quarto que Ara havia assassinado, e a tarefa continuava lhe parecendo sórdida, indigna. Já havia tirado a vida de criaturas antes, matara seres que invadiram cidades, ou que haviam cometido roubos, sequestros, algo ruim que precisava cessar. Com a lista de Zaras era diferente, assassinava homens que não estavam fazendo nada — pelo que conseguia entender — além de se esconder. Não se tratava de raça, Ara não teria problemas em acertar uma flecha na testa de um humano se ele estivesse ameaçando alguém com uma faca.

Isso já havia ocorrido, numa cidade chamada Ponte Alta. Estivera lá com Anluath e um outro elfo de Lannionad, chamado Blasad, apenas para fazer a entrega de uma caixa de vinhos de alta qualidade. Eram um presente para um halfling, velho amigo de Blasad, e este havia pedido companhia na viagem para garantir que a bebida não fosse roubada. Ara e Anluath tinham ido à uma taverna esperar pelo terceiro elfo quando uma briga havia se iniciado, e um humano, enfurecido e gritando palavras preconceituosas, estava pronto para esfaquear um gnomo que, dizia ele, não parava de zombá-lo. Ara fora mais rápida que o homem, acertou-o com uma flecha uma fração de segundo antes dele desferir um golpe fatal. O gnomo de fato havia passado a última hora fazendo piada com todos que estavam ao seu redor, mas isso não era motivo para ser morto.

Tampouco fugir era motivo para uma execução. Ghrèin havia garantido a Ara que todos aqueles que Zaras queria morto eram perigosos, e que se não fossem eliminados trariam muita dor e sofrimento para a terra. A elfa tinha acreditado, mas ainda debatia consigo mesma sobre matar uma criatura que não representava uma ameaça imediata. A primeira da lista havia facilitado sua vida, era uma humana, e tinha soltado um raio de gelo na direção de Ara antes que a elfa fizesse qualquer coisa. A maga estava se escondendo em uma cabana abandonada no meio campo, em uma região ao noroeste de Lannuaine. Como o local era isolado e abandonado, não seria difícil imaginar que qualquer um que se aproximasse a procurava, então ela havia conjurado uma magia para que ninguém a surpreendesse. Com o corpo todo dolorido, após ter desviado apenas em parte do raio de gelo, a elfa deixou de enxergar o erro em assassinar aquela mulher. Pelo menos durante a luta. Foi atingida por magias de fogo, outras de gelo, e seus ferimentos foram graves, mas havia cumprido sua tarefa. Com muito esforço, conseguira aproximar-se da maga e atingi-la com a rapieira. Decidiu que não deixaria nenhum dos próximos alvos perceber que estava chegando, ainda mais se fossem feiticeiros.

O segundo havia causado um impacto maior na elfa. Se escondia em uma cidade humana de médio porte, e passava seus dias caminhando e conversando com os cidadãos. Ara havia esperado um momento propício para atacar e, um dia, o homem resolvera por passear no bosque próximo à vila, sozinho. Por entre as árvores, a elfa tinha seguido o humano de forma imperceptível. Na primeira oportunidade, acertou-lhe uma flecha no coração. Não era um humano indefeso, se tivesse visto a elfa poderia ter lançado uma onda de raios fatal em sua direção, mas no meio de um bosque, nunca perceberia a presença de Ara. Ela estava em completa vantagem, o homem não viu quem tinha lhe assassinado, não teve sequer oportunidade de se defender. Soava injusto. O estômago de Ara se contorcia só de lembrar.

Nenhum dos humanos na lista parecia ameaçador. Eram poderosos, mas suas atitudes não condiziam com inimigos prontos para atingir a Virtude. E as malditas cartas... Aquele coitado só queria fugir de Zaras e viver em paz, Ara pensou. Será que todos na lista seriam assim? Nada de opositores ferozes, só pessoas que queriam distância da Virtude? O mago tinha se juntado à organização em momentos anteriores, e poderia ter informações delicadas, mas não planejava fazer uso daquilo. Ara conseguia compreender a lógica de assassinar aquele humano, mas considerava uma atitude bastante exagerada. Monitorar não seria suficiente? E se tantos magos estão envolvidos com a organização, não poderiam apenas apagar sua memória?

Livro 1 - A Elfa, O Homem e a Ordem [completo]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora