Parte 30

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O céu tinha uma cor magnífica, o sol estava se pondo e o colorido laranja e rosa se estendia até a onde a vista alcançava. Raquel observou o horizonte com um sorriso triste no rosto. Seu dia fora calmo, pacífico, o primeiro que conseguira controlar suas emoções desde a morte do pai.

Tinha decidido retomar o antigo hábito, pelo menos enquanto ainda tivesse tempo livre, e fora até um bosque próximo da cidade real para ler e aproveitar o contato com a natureza. Escolheu da biblioteca de Lázaro uma história de batalhas que sabia que o pai adorava, e se deliciara ao ler sentindo a presença dele ali, de alguma forma. A onda de felicidade e paz que havia atingido a princesa naquele sol fora uma surpresa, e Raquel decidiu aproveitar. Como resultado, tinha ficado tempo demais fora da cidade, e as estrelas começavam a surgir no céu.

Os guardas que a escoltavam estavam ansiosos, não gostavam de fugir do planejado, e tinham deixado o bosque bem mais tarde do que o ideal. Receavam em viajar com a lua. Eram amigos da princesa, mas não se esqueciam de suas funções, deviam protegê-la e proteger a si mesmos, e poucas estradas de Carstvo eram realmente seguras sob as estrelas. Em apenas dois sóis Raquel seria coroada Rainha, nada de errado poderia acontecer nesse meio tempo, sequer um arranhão.

— Sua mãe vai ficar furiosa — Iago resmungou Tinha uma careta no rosto, sentia legítima preocupação.

Ele cavalgava ao lado de Raquel. Formavam o mesmo grupo de cinco naquele dia, quatro soldados e ela, Emanuel estava do seu outro lado, os restantes na frente. A princesa deu uma risada leve.

— Meu pai que era o preocupado, Iago. Minha mãe talvez ache que estou no quarto. Você precisa relaxar. Qualquer coisa, eu explico para ela que vocês imploraram para voltar logo, mas eu insisti em ficar mais um pouco, ela vai entender. Pelo menos o lado de vocês. — Seria uma mentira, Raquel ditava o tempo de suas saídas e os outros nunca a questionavam. Afinal de contas, a princesa já tinha vivido por dezenove verões, não era uma criança, e os soldados não estavam fazendo papel de babá. Confiavam nela, e não a forçavam a obedecer todas as ordens.

Haviam ainda menos ordens desde a morte do Rei.

— Não é só isso, Raquel. A estrada fica mais perigosa a noite — Emanuel explicou. Detestava viajar sem a luz do sol, principalmente em uma rota como aquela. A cidade real era um grande foco de comércio, vários produtores de artigos diversos, muitas vezes de alto valor, passavam por aquela estrada se dirigindo ao mercado de Cáhida. Era o tipo de rota muito bem observada por ladrões.

— Esta estrada? Aqui passam mais soldados do que qualquer outro lugar do reino. Não pode ser tão ruim assim — Raquel disse.

Emanuel manteve o semblante sério.

— Já aconteceram roubos terríveis por aqui. Não é tão comum, mas quando acontece, é mais planejado, e melhor executado.

Raquel não respondeu. Conhecia as histórias, mas sempre achara que eram exageradas, no entanto, confiava em Emanuel. Se ele dizia que havia perigo, ela acreditava. Começou a sentir o estômago embrulhar, e sua respiração ficou mais pesada. O sol ia aos poucos desaparecendo, e cada vez ficava mais escuro. Lorena, a frente, acendeu uma tocha.

As palavras de Emanuel pairavam no ar, como uma ameaça. Um pressentimento estranho os dominou, como se alguém os vigiasse, esperando. Os guardas começaram a olhar para os lados, procurando. Raquel não conseguia ver nada, sentindo o corpo tremer, esticou seu braço e agarrou o de Iago.

— Calma, estamos chegando — ele assegurou.

Alcançariam Cáhida antes de o sol sumir por completo, se começassem a galopar. Emanuel estava prestes a mandar que acelerassem, mas não houve tempo.

Flechas vieram, inúmeras, surgindo de todas as direções. Raquel observou os soldados, seus guardas, seus amigos, irem ao chão. Ela gritou, mas sua voz se perdeu no vazio. Os cavalos se assustaram, o que montava empinou e a fez cair no chão. Raquel conseguiu se ajoelhar e ver os sujeitos mascarados que se aproximavam. Tinham lenços pretos cobrindo os rostos e capas escondendo os corpos. Era impossível dizer quais eram suas raças, na confusão e na penumbra, Raquel não conseguiu identificar nem mesmo se eram altos ou baixos, grandes ou pequenos. Só os viu acertando seus amigos, enfiando uma espada no peito de Emanuel, segurando Henrique pelo cabelo e cortando seu pescoço. Iago recebeu duas adagas do tronco, Lorena levou uma machadada no crânio. Desferiam golpes finais em todos os soldados que estavam lá para protegê-la. Assassinavam pessoas que amava, e ela soube que o faziam apenas para levá-la.

Lágrimas encheram seus olhos, sentiu um vazio por todo o corpo, um peso, a pior dor que já sentira na vida. De súbito, teve a sensação de ser apagada, como uma vela, e desabou no chão. Sua visão ficou embaçada, o tempo correu em câmera lenta, e tudo o que podia ouvir era sua própria respiração.

A última coisa que viu foi Iago, caído ao seu lado, com os olhos abertos e vidrados em nada.

A última coisa em que pensou foi na sua mãe, que acabara de perder o amor de sua vida.

E veio a escuridão. 

Livro 1 - A Elfa, O Homem e a Ordem [completo]Where stories live. Discover now