Parte 19

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Moinho Tombado era um vilarejo médio, majoritariamente humano, assim como todos que o batalhão visitava. Era mais fácil com humanos.

Heitor não entendia o trabalho, mas seguia as ordens de seu superior. Eram um exército pago, mercenários com pouco mais de disciplina do que aqueles que se encontrava em tavernas, e não lhes cabia questionar aquelas invasões.

Porque eram invasões. Ocupavam a construção mais parecida possível com uma igreja, então o padre chegava, e começava a pregar. Quando o vilarejo acreditava no Deus humano, era mais fácil, mal havia trabalho a fazer, o padre pedia por lealdade, estandartes eram pendurados nas construções mais relevantes, e partiam para a próxima da cidade.

Quando os moradores não acreditavam no Deus humano, o batalhão fazia efetivamente seu trabalho. Conforme as ordens, todos deveriam ser levados à igreja. Deveriam se ajoelhar. Deveriam louvar a Deus. E os que resistissem deveriam ser usados de exemplo. Arrastados até à praça central — sempre há uma praça central — e degolados. Ou enforcados. Talvez empalados. O importante era causar impacto.

Era normal que fugissem. Corriam, acreditando que conseguiriam escapar dos cavaleiros, bastava alcançar um bosque. Nunca tinham sucesso. Eram caçados, levados de volta ao vilarejo. Mortos.

Todos deveriam seguir a Virtude. Esse era o trabalho de Heitor, e o que o padre não cansava em repetir.

O batalhão chegou em Moinho Tombado demonstrando toda sua força. Soldados caminhando com suas armaduras pesadas, batendo as espadas em seus escudos, o barulho trovejando e atravessando todas as pequenas construções de alvenaria. Cavaleiros vinham logo atrás, montados em corcéis negros, animais treinados e ameaçadores. E em seguida vinha Heitor, com sua armadura brilhante e detalhada, parecendo um lorde, acompanhado pelo padre, em suas vestes tingidas de um azul denso, caríssimo. Heitor não gostava do religioso, muito menos de seu discurso fanático.

Antes mesmo de alcançassem a praça central, Heitor percebeu a movimentação dos moradores de Moinho Tombado. Observavam por entre frestas das janelas, fechavam as portas, e logo tentariam sair de suas casas, furtivamente, carregando trouxas com comida e seus bens mais preciosos. O comandante fez um sinal para seus homens, indicando que deveriam se espalhar pelo vilarejo e reunir os habitantes, obrigando-os a atender o discurso do padre.

A praça de Moinho Tombado era ampla, com um poço no centro. Não havia muito cuidado ali, mas era o esperado de um vilarejo pequeno, que sobrevive de plantio. A maior construção era um palacete pequeno, sem qualquer adorno, pouco maior que o resto das moradias. Não havia sinal de uma igreja e o palacete ares de adoração aos antigos deuses de canções. Heitor ordenou que dois de seus homens lá entrassem e retirassem o nobre de pouco nome que deveria ali habitar, e o trouxessem para a praça. Outros de seus soldados taparam o poço com dois escudos, improvisando um palanque para o padre. O comandante ocupou seu lugar, ao lado do religioso, mas ainda no chão, e esperou.

Homens, mulheres e crianças chegavam, sendo levados pelos soldados. Alguns vinham sob a ameaça de espadas, outros eram arrastados pelo braço, empurrados. Ninguém parecia satisfeito. O porta do palacete se abriu, revelando dois homens vestindo roupas caras, apesar de antigas e remendadas. Ambos caminharam até o padre sem incentivo dos soldados, tentando manter o pouco de dignidade que lhes restava. Heitor imaginou que seriam pai e filho. Seus homens trouxeram de dentro da casa algumas mulheres, uma criança, outros dois homens que aparentavam ser criados.

Todos os soldados estavam na praça, os habitantes de Moinho Tombado reunido, então Heitor assentiu para o padre, que logo começou a falar:

— Caros, somos todos aqui humanos. Vivemos em um mundo complexo, repleto de criaturas misteriosas, ardilosas e traiçoeiras!

Livro 1 - A Elfa, O Homem e a Ordem [completo]Where stories live. Discover now