Parte 31

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Gaoth trancou Ara em seu buraco na madeira e deixou-a sozinha. A jovem elfa deitou no chão, tinha descoberto um ângulo de onde conseguia avistar um pequeno buraco na grande árvore. Não era muito, mas ao menos podia ver as estrelas. Se esta fosse mesmo sua última lua na terra, a passaria observando algo belo.

Talvez fosse sua última lua, e só. Aqueles condenados à morte em Lannuaine recebem uma flecha no coração e são lançados de uma cachoeira, para que o rio e seus animais destruam o corpo. Não lhes é permitido passar pelos ritos da morte, o corpo não é queimado nem velado e, diz-se, a alma não é levada pelo vento até os Salões Austrais. O elfo apenas morre, desaparece. Seria o fim apropriado para um traidor.

Independentemente da ofensa praticada, Ara achava um exagero privar qualquer elfo da eternidade nos Salões com seus ancestrais. Não parecia a mesma Lannuaine tão alegre, leve, pacífica. Não era uma ideia que vinha do mesmo povo que entoava lindas canções nas praças suspensas, que construía as mais delicadas casas a partir de vidro colorido, ou que recebia com o maior banquete e festa um Rei para eles desconhecido. Ainda assim, era a tradição. Ghrèin sequer precisara inventar um jeito de puni-la. Quem sabe por serem tão capazes de depositar sua confiança entre os seus, um traidor por entre os elfos era uma mancha negra demais.

Inspirando profundamente e tentando conter as lágrimas, Ara desejou com todo seu ser que pudesse ir para os Salões, ficar do lado da mãe.

— Você fez bem, o truque com o vinho impressionou. E ajudou. — a voz de Anluath surgiu.

Ara se levantou com um susto, não tinha percebido o amigo chegar, nem mesmo seu pai, que vinha logo atrás.

— Como você soube que não teria veneno? — o arqueiro continuou.

A jovem elfa fez uma careta, coçou a cabeça.

— Eu imaginei que não... mas não tinha tanta certeza.

— Você arriscou?! — Dìon perguntou, se aproximando das barras de ferro, em choque.

Em resposta, Ara abriu um sorriso envergonhado. Tinha sido um risco, ela sabia, mas estava no julgamento que a condenou à morte, afinal.

— Ajudou como? — ela perguntou.

Anluath gesticulou, animado:

— Alguns elfos duvidaram da sua culpa. Não o suficiente para opor Ghrèin ali na hora, seu julgamento não era um bom incentivo, mas toparam te ajudar.

— Ajudar? — Ara perguntou.

— Sim! Ara, achou realmente que eu não ia te tirar daqui? — Anluath perguntou, um sorriso carinhoso no rosto.

Ara não conseguiu mais conter, deixou as lágrimas virem. Sentiu o pai colocar a mão em um ombro, Anluath apoiar a sua no outro, enquanto soluçava. Por mais que tivesse se mantido forte até então, estava aterrorizada, claro que estava. A esperança de não ser executada, saber que ao menos duas pessoas se importavam o suficiente com ela para arriscar uma fuga, preencheu o seu coração com uma paz que a jovem elfa achara que nunca mais sentiria. Mais tranquila, Ara ergueu o corpo, oferecendo um sorriso ao amigo e ao pai, segurando as mãos de ambos.

— Você vai para Maguí, lá você estará segura. — Anluath falou.

Dìon olhou do arqueiro para a filha, depois disse:

— Isso significa, querida, que não vamos nos ver por um bom tempo.

Ara assentiu, abraçou o pai por entre as barras de ferro.

— Espera — Anluath interrompeu. O arqueiro tirou dos bolsos ferramentas que Ara conhecia muito bem, e pôs-se a trabalhar na fechadura.

— São as suas — Anluath continuou — Peguei do armário onde estavam guardadas, junto com as armas.

Livro 1 - A Elfa, O Homem e a Ordem [completo]Where stories live. Discover now