Capítulo 2

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A intriga é tão essencial nas relações entre homens e mulheres como necessário é o ar que respiramos. Essa dança sutil que damos uns com outros é o que faz com que tudo seja tão interessante.

Do capítulo intitulado «Somos todos iguais e mesmo assim diferentes»

A imagem do espelho não a desagradava. Rebecca Marston colocou o último cacho castanho em seu lugar e estudou seu aspecto com olhar crítico. Sim, o vestido rosa pálido era uma boa escolha; combinava bem com sua pele clara e destacava o brilho escuro de seu cabelo. Havia uma vantagem em não ser loira e usar esse tom mais escuro, que se destacava do resto das debutantes e chamava a atenção dos cavalheiros solteiros. Embora preferisse não ser tão alta, não o era tanto para afastar muitos pretendentes.
Não, o verdadeiro problema era sua idade, sua alta linhagem, o fato de ser tão bom partido e de ter um pai temível.
De fato, a lista de problemas era considerável, mas a maioria só dizia respeito a um homem.
Levantou-se da penteadeira, agarrou o leque com um suspiro e saiu do quarto. No andar de baixo se encontrou com seus pais que a esperavam no vestíbulo. Sua mãe estava esplêndida. Ia envolta em seda verde esmeralda, usava uma fortuna em diamantes e uma tiara brilhante que coroava um elaborado coque em sua cabeleira escura. Seu pai, com um elegante traje de noite, uma gravata branca com um a alfinete de rubi e o cabelo grisalho penteado para trás, tinha um ar muito distinto. Manuseava as luvas de um modo que indicava impaciência e quando a viu descer a escada ficou olhando com gesto de aprovação.
— Finalmente. Estava a ponto de enviar alguém para buscá-la, querida, mas a espera valeu à pena. Está deslumbrante.
Rebecca sorriu, mas um tanto forçado. Não gostava nada do que a esperava nas próximas horas. Outro baile, outra noite dançando com cavalheiros desejosos de agradá-la, enquanto aquele de quem desejava ver uma faísca de interesse ria, cativava e deslumbrava outras mulheres, sem mesmo olhar para os lados.
Que ideia deprimente.
—Perdoem-me o atraso — murmurou e ficou de costas para que um criado colocasse a capa sobre seus ombros. — Não conseguia decidir qual vestido colocar.
Que frívolo havia soado. Embora ela não se considerasse superficial, de maneira alguma; o fato era justamente o contrário. A autêntica paixão de sua vida era a música e embora seus pais a aconselhassem que não o mencionasse quando estivesse acompanhada, não só era uma grande pianista, mas também tocava harpa, flauta e clarinete muito melhor que a maioria. Embora o que a interessasse de verdade era compor. Tinha vinte anos e já havia escrito duas sinfonias e inumeráveis peças curtas. Era como se tivesse uma melodia soando sem interrupção no cérebro e passá-la para o papel parecia muito natural.
Isso, é obvio, era tão pouco habitual como a cor de seu cabelo.
A carruagem já estava esperando e seu pai deu primeiro a mão para sua mãe, logo depois para ela e as escoltou até a rua. Rebecca se acomodou no assento e se preparou para o sermão habitual.
Sua mãe não perdeu tempo.
—Querida, lorde Watts estará na casa dos Hampton esta noite. Por favor, conceda-lhe uma dança.
O aborrecido lorde Watts, com sua risada afetada e seu bigode fino. Para Rebecca não importava nem a fortuna nem as terras que um dia herdaria; mesmo que fosse o último homem da terra, jamais gostou de sua companhia.
—É um tolo pomposo — disse com franqueza. — Um ignorante que não se interessa pela arte e.
— É bonito, rico e filho do meu amigo — interrompeu seu pai com firmeza e com um brilho severo no olhar. —Dance com ele. Está muito apaixonado por você e pediu sua mão duas vezes.
Era razoável perguntar por que devia dançar com um homem com quem não tinha intenção de se casar nunca, mas decidiu não discutir. Em vez disso murmurou:
—Muito bem. Posso reservar uma dança.
—Talvez pudesse reconsiderar sua proposta. Eu sou a favor do enlace.
Para Rebecca esta possibilidade não existia, não poderia existir, nem existiria jamais. Não disse uma palavra.
Sua mãe a olhou com ar de recriminação enquanto avançavam pela rua pavimentada.
—Em algum momento terá que escolher.
Na sua idade já havia muitas moças prometidas ou casadas, como por exemplo, suas duas melhores amigas, Arabella e Brianna, portanto devia tomar uma decisão. Rebecca compreendia muito bem a postura de seus pais nesse assunto. De fato, já havia escolhido, mas era uma escolha absurda, inviável, impossível e das mais escandalosas.
Ninguém conhecia sua paixão secreta.
A mansão estava esplendidamente iluminada e a longa fileira de carruagens que ocupavam o caminho circular era um sinal da importância do evento. Eles desceram por fim e foram conduzidos imediatamente para dentro, junto com outros convidados que chegavam. Em seguida Rebecca, incapaz de conter-se, examinou a multidão que enchia o salão de baile iluminado. Ele apareceria esta noite? Geralmente costumava estar presente em eventos sociais de prestígio já que seu irmão era um duque e. Ali estava.
Tão alto, tão varonil, com suas feições bem cinzeladas e o cabelo castanho claro que sempre parecia estar muito bem penteado, mas ao mesmo tempo com naturalidade. Saudou um amigo e um sorriso espontâneo iluminou seu rosto. Lorde Robert Northfield era um libertino encantador, ousado, sofisticado e sem o menor interesse pelas damas jovens e casadouras. O que, pensou Rebecca com um suspiro, deixava-a fora do jogo. Uma parte de si mesma desejava não ser amiga de Brianna e assim nunca ter tido a possibilidade de conhecer o irmão caçula do duque de Rolthven, mas outra parte mais traiçoeira estava encantada em ser.
Rebecca tinha descoberto que alguém podia se apaixonar em um segundo. Um olhar, no momento fascinante em que ele se inclinou para beijar sua mão e a acariciou com um de seus legendários olhares provocantes. E estava perdida.
Seu pai, ao seu lado nesse momento, ficaria horrorizado se pudesse ler seus pensamentos. Robert tinha uma reputação infame. Uma reputação infame de apreciar as cartas e as mulheres, e não nessa ordem. Por mais respeitável que fosse Colton, com toda sua influência política e sua colossal fortuna, seu irmão caçula era justamente o contrário.
O pai da Rebecca tinha péssima opinião dele; mais de uma vez tinha falado com desdém do caçula dos Rolthven e ela nunca se atreveu a perguntar por que. Talvez fosse só por sua má fama, mas tinha a sensação de que havia algo mais.
Assim que olhou para o outro lado da sala lotada, esperando que ninguém notasse a direção de seu olhar, Rebecca viu que a anfitriã se aproximava tranquilamente e tocava a manga de Robert, com um gesto brincalhão e íntimo. Havia rumores que lady Hampton tinha uma clara preferência pelos homens bonitos e selvagens, e sem dúvida o irmão do duque de Rolthven o era. Já tinha participado de dois duelos, o que não contribuía para sua respeitabilidade.
No que se referiam a lorde Robert, os únicos sinais de respeitabilidade eram seu sobrenome e a proeminente posição social de seu irmão.
Entretanto, Rebecca estava completa e desesperadamente fascinada, perdida também, pois sabia que se por algum milagre ele chegasse a olhá-la, superasse sua famosa aversão ao matrimônio e tentasse uma aproximação, seu pai jamais o permitiria.
Pena que não escrevesse novelas românticas em lugar de compor música. Desse modo poderia narrar à triste historia de uma jovem heroína desamparada, apaixonada pelo amante bonito e pecaminoso.
—Senhorita Marston, que bom vê-la. Tinha a esperança de que viesse.
A interrupção forçou-a parar de observar Robert Northfield, que estava indo à pista para dançar a valsa com lady Hampton e inclinava a cabeça para escutar o que esta mulher despudorada estava dizendo com um leve sorriso no rosto, causado certamente por uma piada inteligente e coquete.
Eram amantes? Rebecca desejou não se importar, desejou não especular sobre algo que em essência não era assunto seu. Pois Robert sequer sabia que ela vivia e respirava, e se lady Hampton queria olhá-lo com esse ar particularmente de desejo possessivo, ela não podia fazer absolutamente nada.
—Senhorita Marston?
Rebecca deixou de olhar para o atraente casal que dançava na pista, sentindo-se miserável. Lorde Watts estava diante dela, com seu bigode insignificante e todo o resto, sorrindo radiante.
—Ah, boa noite — murmurou ela sem entusiasmo e ganhou uma careta de desgosto de seu pai.
—Posso me atrever a esperar que me conceda uma dança? — O jovem tinha um irritante ar de ansiedade e em seus olhos azul pálido havia um brilho de súplica.
Se ao menos fossem de uma cor azul profundo, emoldurado por longos cílios e o cabelo não fosse de um tom palha sem graça, mas de um castanho dourado e vibrante. Se em lugar de um queixo bastante débil, tivesse traços masculinos bem definidos e uma boca sedutora, capaz de transformar-se em um sorriso fascinante.
Mesmo assim, ainda que fosse assim, não seria Robert Northfield.
— Claro que sim — disse seu pai complacente. — Ainda há pouco, Rebecca disse que gostaria muito, não é assim, querida?
Ela, que nunca tinha sido dada a mentir, limitou-se a esboçar um sorriso. Ou pelo menos tentou. O que conseguiu foi algo mais parecido com uma careta. A noite seria muito longa e sombria.

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