Capítulo 16

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Às vezes é necessário se chocar com os obstáculos que encontramos no caminho em lugar de tentar se esquivar. Com o amor acontece o mesmo.
Do capítulo intitulado: «A filosofia do romance»

— Entendi que Robert partiu muito cedo.
Rebecca levantou os olhos de repente, sem saber como interpretar o comentário de Loretta Newman, se é que tinha que interpretá-lo de algum modo. Talvez a mulher só quisesse conversar.
—Não me diga. —Rebecca agarrou um pedaço de torrada e lhe deu uma mordida.
—Ao amanhecer. Faz um dia horrível para viajar, não é verdade?
A senhora Newman deu uma olhada nas manchas de umidade que havia na janela. Era uma manhã melancólica e cinza, mas ao menos coincidia com o final e não com o início da reunião. Quando Rebecca se levantou e desceu para tomar o café da manhã na enorme sala de jantar, descobriu que Robert foi fiel a sua palavra, e partira para Londres horas antes, apesar da garoa que não cessava de cair de um céu brumoso.
—Ao menos desfrutamos de muito sol durante nossa estadia.
Foi uma observação banal. Rebecca achava em que a bonita viúva tentava conversar, mas o tema que havia escolhido a pôs em guarda. Elas eram as duas últimas convidadas a participar do café da manhã, e sentaram-se com uma relativa privacidade em um extremo da mesa. Rebecca estava quase certa de ter dormido apenas uma hora, duvidando se aquele beijo perturbador era algo que devia celebrar, ou se tão somente estava destinado a ser uma lembrança agridoce.
Loretta se aproximou da geleia.
—Bem, sim, o clima foi generoso. A companhia deliciosa, também. A duquesa realizou um trabalho admirável para alguém tão jovem e nova em sua posição. Afinal de contas se casou com um membro de uma família muito ilustre. Estou certa que você estará de acordo, já que também aspira tomar parte dela através do matrimônio.
Rebecca, que esperava tudo, menos esse comentário tão franco, comeu uma colherada de ovos mexidos para dissimular que ficou sem fala. Então deu alguns tapinhas nos lábios com o guardanapo e murmurou:
—Lorde Damien seria um bom marido.
—Não. —A senhora Newman meneou a cabeça e sorriu com malícia. —Seria um bom marido, na opinião de seus pais. Sejamos francas. Robert é quem a atrai.
Então já havia uma lista de pessoas que perceberam o seu interesse pelo mais novo dos Northfield. Seu pai. Damien. Agora a senhora Newman. Quantos mais? Brianna não havia dito nada, mas a verdade é que estava ocupada seduzindo seu duque.
—Estou convencida de que você compreenderá — disse com toda a serenidade que pôde, apesar de estar ruborizada — rosto que ele também a atrai.
—Vejo que agora falamos de mulher para mulher.
—Parece que sim.
Houve uma pausa enquanto Loretta bebia um gole de chá. Então colocou de lado com total parcimônia.
—Você não é tão simples como pensei a princípio, e já que estamos sendo tão sinceras, desejo-lhe sorte. É verdade que assim que chegamos percebi que lorde Robert podia ser um delicioso. Passatempo, mas comecei a notar que seus interesses estavam em outra parte. Se desejar saber minha opinião, pela forma como age, eu acredito que existe a esperança de que você triunfe e o conduza ao altar. Agora, se me desculpar, acredito que minha carruagem já está preparada para minha partida.
Rebecca, bastante estupefata, viu-a partir.
Precisava falar com Damien. Levantou-se a toda pressa e saiu da sala de jantar sem terminar de tomar o café da manhã.
Lorde Damien, conforme disse o protocolar mordomo, estava com o duque em seu estúdio.
Seu coração caiu ao chão. Bater na porta do estúdio do duque de Rolthven e pedir para falar com seu irmão sem mais era inconcebível. Rebecca estava certa de que nem sequer Brianna interrompia seu marido quando este se isolava para trabalhar. De qualquer maneira, era bem possível que Robert não houvesse dito nada sobre o beijo. Talvez somente manifestasse seu desgosto pelo truque pouco ortodoxo de Damien para casá-los, e nada mais.
Assim, o que fazer agora?
«. Você não é como.»
Não, não era. Ela não se parecia em nada com as beldades experientes que o notório Robert Northfield costumava perseguir. Mas ele se sentia atraído por ela de qualquer maneira. O suficiente para tê-la beijado de um modo que satisfaria completamente as fantasias de qualquer jovem. Rebecca se lembraria até o momento de sua morte a carícia dos lábios carinhosos e tenros em sua boca. Não tinha sido algo feroz nem passional, nem algo arrebatador com a intenção de perturbá-la, tinha sido perfeito. E a menos que ela fosse uma tola apaixonada, e não estava certa de não se encaixar em tal descrição, pensava que para ele também tinha sido algo diferente. Havia certa reverência no roçar leve da mão de Robert em sua cintura, e teria jurado que a emoção de seu rosto também era genuína.
Em resumo, pensava que talvez ele estivesse tão confuso quanto ela, e para um experiente libertino, isso era dizer muito.
Rebecca ergueu os ombros.
—Poderia ver a duquesa?
O majestoso mordomo dos Rolthven inclinou sua cabeça grisalha.
—Parece-me que está no vestíbulo, despedindo-se de um convidado, milady.
De fato, encontrou Rebecca minutos depois com o eco do tique taque do relógio ressonando em sua alma. Quando lorde Emerson fez uma reverência e abandonou a residência, ela esperou que o empregado fechasse a porta após a saída do cavalheiro, antes de dizer com a mesma urgência que utilizava quando eram meninas:
—Bri, eu preciso de um favor.
Brianna captou a urgência do tom de voz.
—Claro — não disse mais nada — o que quiser. O que é?
Isso era jogar de verdade, mas Rebecca já havia esquecido a cautela.
— Você se importaria de fazer o favor de entrar no estúdio e interromper o duque e Damien? Eu não me atrevo a bater na porta e pedir, mas a verdade é que preciso falar com ele.
Sua amiga abriu a boca, surpresa.
—É obvio que farei se for o que quer. Com qual dos dois precisa falar?
Rebecca reprimiu uma risadinha.
—Perdoe, sei que digo tolices, mas meus pais estão a ponto de descer e iremos em seguida e, bem, preciso ver lorde Damien um momento, se for possível.
Brianna vacilou por um segundo, com a intenção evidente de perguntar por que, mas demonstrou ser uma grande amiga e se limitou a assentir.
—Há uma saleta que está deserta a estas horas. A avó de Colton somente a utiliza para responder a correspondência. Parece bom?
—Perfeito. Obrigado.
Dizer que estava agradecida não bastava para descrever os sentimentos de Rebecca, porque na verdade nunca em sua vida havia ficado tão nervosa.
Depois de toda essa introspecção noturna tinha chegado a algumas conclusões alarmantes.
A mais forte de todas era que ela só desejava casar-se por amor.
E a segunda era que se esse beijo de Robert ia ser um incidente isolado em sua vida, ela se sentiria desamparada para sempre.
Rebecca entrou atrás do empregado a quem Brianna tinha ordenado que a guiasse, e se viu em um espaço reduzido e encantador, com uma elegante mesa de escritório polida, perto de uma janela. O amarelo claro das paredes contrastava com a deprimente vista dos restos de chuva no vidro de fora e os jardins encharcados. Foi até ali e olhou para fora, perguntando-se o que ia pedir.
Quando Damien entrou depois de alguns minutos, ela continuava ali, contemplando as sebes e os arbustos repletos de rosas encharcadas.
—Percebe que se sua mãe souber que deseja me ver em particular antes de ir embora, começará a planejar nossas bodas? —Em sua pergunta havia um tom de fina ironia.
Rebecca se virou, com um sorriso melancólico.
—De fato estava aqui me perguntando que diabo queria lhe dizer.
Entrou na saleta com esse meio sorriso que o favorecia tanto.
—Ah, aí está à maravilha de tratar com um perito em espionagem. Nós sabemos o que as pessoas pensam antes que elas.
Rebecca arqueou as sobrancelhas.
—Você é um perito em espionagem? Acreditei que era uma espécie de conselheiro tático ou algo assim.
—Eu tenho muitas facetas. —Apontou uma poltrona. —Agora, sente-se e falemos do que fazer com o teimoso do meu irmão.
Ela se sentou, de qualquer maneira suas pernas estavam intumescidas. Damien se acomodou em um sofá estofado com mariposas. Sua flagrante masculinidade contrastava com a feminilidade da decoração, elevou uma sobrancelha com um gesto que ela já conhecia.
—Vejamos —disse com calma —deduzo que as coisas foram muito bem ontem à noite, visto o mau humor que Robert mostrou depois.
—Poderia explicar bem? —Rebecca recolheu a saia. —Ele não está interessado no matrimônio. Isso ele deixou bem claro.
—Minha querida senhorita Marston, detesto dizer que existem poucos homens que se levantem em uma manhã e decidem que o mais desejável na vida é estar preso a uma mulher para sempre. Diria inclusive que os homens como Robert, que não necessita um herdeiro, que já possui uma fortuna e a quem a maioria das mulheres considera irresistível, são particularmente imunes. Neste momento de sua vida, ele faz o que o agrada e acredita que é feliz.
Ela sabia que tudo isso era verdade, e em essência, era o que Robert havia dito sem rodeios.
—Ele é feliz? —perguntou, tentando ocultar a hesitação.
— Se eu acreditasse nisso, teria me colocado na ridícula situação de empurrar uma jovem dama pela janela de uma biblioteca?
Tinha razão e ante a integridade da resposta, ela deixou escapar um sorriso, em parte de desespero e em parte de regozijo.
—Suponho que não — admitiu. —Inclusive a senhora Newman me disse esta manhã que acreditava que o interesse de Robert podia ser sincero.
—Ela sabia? Acredito que não me surpreende, porque qualquer um teria percebido se estivesse atento. Então, uma vez estabelecido que suas intenções sejam sinceras, devemos arriscar um plano.
—Um plano? —Rebecca sentiu um espasmo no estômago.
—Ou como quiser chamar. Se o que pretendemos é que abandone seus receios e veja o que está diante dele. Odeio ter um irmão bobo e teimoso, isso deixa em má situação a linhagem familiar.
Foi o elogio mais ambíguo da história e embora Rebecca tivesse recebido de outros cavalheiros cantadas suficientes para toda uma vida, nunca se sentiu tão comovida.
—Obrigado — murmurou.
Ele fez um gesto de aparente indiferença com a mão, mas seus olhos escuros brilhavam perspicazes.
—Não me agradeça ainda. Ainda não tenho uma estratégia preparada. Terei que e pensar nisso. Derrotar os franceses supõe um desafio, mas pôr de joelhos determinado solteiro pode ser uma tarefa muito mais árdua. Acreditei que aqui me aborreceria mortalmente durante meus dias de licença. Por fim, apresenta-se algo parecido com uma missão.
Rebecca não pôde evitar uma careta.
—Robert disse que se compadecia de Bonaparte se ele enfrentasse você.
Damien não se alterou.
—É melhor você. Imagine o perigo que espreita meu irmão. Eu já saboreio a vitória.

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